sexta-feira

Poesia feminista no Dia Internacional das Mulheres.


DEVOÇÃO...

Ao movimento feminista

Pois que é nas mulheres que deposito minha fé
E a elas rezo para merecer essa irmandade,
À mais anonima e à que todas o nome conhecem
Às que habitam esferas passadas
e as que ao meu lado caminham.
À elas eu rezo para merecer essa irmandade,
Pois que é nas mulheres que eu deposito a minha fé.
Às mulheres que teceram, no anonimato ou na infâmia,
os espaços que ocupo, eu oriento as minhas orações:
Que eu possa ser filha, mãe e irmã de todas que encontrar,
Pois que é nas mulheres que deposito minha fé.
Nos ventres redondos, seios fartos,
Braços musculosos ou pernas fortes
Ou nos corpos frágeis recendendo suavidade,
- não importa -
Pois que é nas mulheres que deposito minha fé.
E elas ensinam e me ensinaram:
A nunca recriminar uma mulher livre,
- Nunca mais -
A nunca me reduzir em feminilidades,
- Nunca mais -
A nunca acreditar nas mentiras dos que definem,
A nunca calar diante do desamor.
Pois que é nas mulheres que eu deposito minha fé
E serão elas a me guiar nas trilhas incertas que abrimos juntas.
E que possa perpetuar a dívida eterna
Doando o que recebi a outras mulheres,
Nas quais deposito a minha fé.
As que nasceram e as que se tornaram,
As por dentro, as por fora
E as mil possibilidades da textura.
E que possamos combater
Intrincadas formas de opressão,
As que vivo e as que não.
Que contra todas eu possa lutar,
Pois que é nas mulheres que deposito a minha fé.
Que sejam elas a me dizer como ser mulher;
Ainda que desafie a compreensão,
Que estralhace seguranças mofadas,
Que me mostrem asperezas que não quero ver,
Pois são elas que entendem a necessidade do abraço
E são elas que determinam os meus passos.
Pois que é nas mulheres que deposito a minha fé.

terça-feira

Campanha de Documentação da Trabalhadora Rural acontecerá amanhã (06) em Apodi/RN.



Amanhã (06) durante todo o dia estará acontecendo na Sede do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Apodi/RN estará acontecendo A ação denominada de Onda de Mutirão. A ação tem objetivo de emitir documentos civis gratuitos para as mulheres trabalhadoras rurais, seus familiares e outros/as interessados/as. Durante os mutirões, as pessoas poderão obter Carteira de Trabalho, Cadastro de Pessoa Física (CPF), inscrição no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), segunda via das Certidões de Nascimento e Casamento, todos gratuitamente. As fotos 3X4 também são gratuitas.


PROGRAMA NACIONAL DE DOCUMENTAÇÃO DA TRABALHADORA RURAL - PNDTR


REQUISITOS PARA A EMISSÃO DOS DOCUMENTOS

O Programa Nacional de Documentação da Trabalhadora Rural está emitindo documentos civis e trabalhistas para agricultoras familiares, assentadas e seus familiares. A ação se dá por meio do Ministério do Desenvolvimento Agrário – MDA – e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA.
O PÚBLICO PRIORITÁRIO é a MULHER TRABALHADORA RURAL, ASSENTADA, INDÍGENA, QUILOMBOLA E PESCADORA. No entanto, também os seus familiares podem participar da ação.
Para a emissão dos documentos existem alguns requisitos, a saber:
1.       Certidões de Nascimento e Casamento (órgão emissor – Cartório de Registro Civil): serão emitidas segundas vias da Certidão de Nascimento, e Casamento, a serem entregues na hora. É preciso levar a certidão antiga e ter sido registrado/casado no cartório onde estará sendo realizada a ação.
2.       Carteira de Identidade (órgão emissor – ITEP): serão emitidas primeiras e segundas vias, sendo que a primeira via é entregue na hora. A segunda via é entregue em cerca de 40 a 50 dias.
                                                        Podem tirar a Carteira de Identidade pessoas a partir dos 12 anos de idade. É preciso levar Certidão de Nascimento ou de Casamento ORIGINAL; se for o caso de 2ª via, é necessário levar, além de um dos documentos já mencionados, a carteira antiga ou pelo menos o seu número.
3.         Carteira de Trabalho (órgão emissor – MTE/SEJUC): serão emitidas primeiras e segundas vias, a serem entregues em cerca de 30 a 40 dias.
                                          Podem tirar a Carteira de Trabalho pessoas a partir dos 14 anos de idade completos. É preciso estar com CPF (quem não tem faz na hora), a Carteira de Identidade ou Certidão de Nascimento ou de Casamento ORIGINAL ou cópia autenticada em cartório; se for titular do Bolsa Família, levar o cartão; se for o caso de 2ª via, é necessário levar, além de um dos documentos já mencionados, a carteira antiga ou pelo menos o seu número e a série, mais o Boletim de Ocorrência, se for caso de perda ou roubo do documento.
4.         CPF (órgão emissor – SEJUC/Receita Federal): serão emitidas APENAS PRIMEIRAS VIAS entregues na hora.
Podem tirar o CPF pessoas a partir dos 12 anos (se tiver acima de 18 anos tem que levar o Título de Eleitor/a). É preciso estar, ainda, com pelo menos um documento de Identificação: Carteira de Identidade, Certidão de Nascimento ou de Casamento. Em qualquer caso, tem que ser o documento ORIGINAL.
5. Inscrição Previdenciária (órgão emissor – INSS):
                                                        Podem realizar a Inscrição no INSS, como seguradas/os especiais, pessoas a partir dos 16 anos de idade, desde que exercem a atividade da agricultura ou da pesca. É preciso estar com Carteira de Identidade ou Certidão de Nascimento ou de Casamento ORIGINAL mais o CPF e a Carteira de Trabalho.
6. Fotografias: serão feitas no local da ação. Só as pessoas que vão fazer Carteira de Identidade e/ou Carteira de Trabalho podem fazer as fotografias.

OBS. LEVAR PARA O MUTIRÃO TODOS OS DOCUMENTOS ORIGINAIS QUE TIVER

AÇÃO ACONTECERÁ DE 8 ÀS 17H.

"O futuro da humanidade não é o agronegócio"

Téologo diz que a tendência do mundo é que a visão da globalização seja substituída pela regionalização | Foto: Rodrigo de Castro

O escritor e teólogo Leonardo Boff, que milita também no campo da ecologia e das causas ambientais e sociais, foi o principal convidado da Semana Pedagógica de Anagé-BA, realizada entre os dias 18 e 22 deste mês. Chamado para palestrar sobre o protagonismo da educação nas transformações sociais, Boff buscou sensibilizar o público sobre a fragilidade dos ecossistemas e as inúmeras consequências que tal fragilidade ocasiona à população mundial, reiterando o papel central que os educadores e educadoras possuem na formação de uma sociedade mais preocupada com a conservação do meio ambiente.
Durante o evento, o comunicador popular da ASA e do Centro de Convivência e Desenvolvimento Agroecológico do Sudoeste da Bahia (Cedasb), Rodrigo de Castro, conversou com o escritor sobre diversos temas, entre eles, educação, estiagem e convivência com o Semiárido. Boff defende a busca do conhecimento regionalizado, valorizando relações mais estreitas dos moradores com a sua localidade, e cita as tecnologias sociais de armazenamento da água de chuva implementadas pela ASA como meios de promover sustentabilidade para as famílias que moram no Semiárido. “Elas precisam se multiplicar aos milhares, senão aos milhões, porque isso vai garantir a alimentação na região e a sustentabilidade das famílias”, afirma.
Confira abaixo a entrevista completa:
ASA - O tema da jornada pedagógica de Anagé é “A educação move o mundo”. O que esse tema pode suscitar nas pessoas?
Leonardo Boff - Eu acho que tudo começa com a consciência. Enquanto as pessoas não despertam para os problemas, e transformam o problema em desafio, e o desafio uma ação concreta, a gente não muda o mundo. Então, a educação é a porta de entrada de qualquer atividade, qualquer mudança, e é fundamental que ela comece lá embaixo. Normalmente eram as classes dominantes, aquelas que detinham o poder econômico, que também detinham o poder do saber, e faziam as mudanças que interessavam a elas, como elites. Agora a novidade, principalmente no Brasil depois da entrada do PT, é a subida das classes populares ao poder. Aí, a educação é fundamental porque o povo começa a pensar, falar e encontrar soluções para os seus problemas e, coisa nova que eu nunca vi antes, pode contar com o apoio do poder público. Porque o estado antes era sempre inimigo, agora não, ele ficou aliado. E isso poderá trazer grandes transformações desde que, as atrações se façam a partir do povo e da ótica do povo, não na ótica dos inimigos.
ASA - Falando em educação a partir de uma perspectiva de mudança, faz-se necessário citar a educação contextualizada, que leva em conta as particularidades de cada região. Qual é a dimensão desse método educacional para uma melhora na qualidade da educação como um todo?
Leonardo Boff - Até agora predominava no mundo, em uma reflexão, a visão da globalização. E hoje a tendência, no mundo inteiro, é a regionalização. Porque a globalização foi um fenômeno do capitalismo para dominar econômica e financeiramente o mundo, devastando a natureza, criando grande injustiça social. A regionalização implica conhecer cada ecossistema. Por exemplo, a caatinga não é uma fatalidade, não é um castigo da natureza, é um ecossistema como qualquer outro, com sua riqueza, com seu alimento, com seu alcance, então, fazer uma educação adequada a esse ecossistema significa conhecer, tirar todas as vantagens dele, e se nós conhecermos a dinâmica, como funciona a caatinga, seu regime de chuvas, solos, plantas, animais, o ser humano pode criar uma relação positiva de assumir essa realidade e tirar vantagens dela. E aí a educação é importante como transmissão de conhecimento, sobre como é o regime de águas, quais são as plantas mais adequadas, que alimentos, que abelhas, que frutos podemos colher nessa região. Então a educação, o desenvolvimento, ele é bom quando é feito dentro desse ecossistema, e o poder público deve dizer “com isso que temos, conhecemos, quanto de bem estar posso dar a minha população?”. Mas não só a ela, e também a comunidade de vida, as plantas, os animais, e, isso só é possível, caso a gente tome a sério a região onde a gente vive.
Rodrigo - É importante ressaltar que Anagé possui uma Escola Familiar Agrícola (EFA). Acha que esse é um caminho a ser seguido na educação do campo?
Leonardo Boff - Olha, eu acho que o futuro da humanidade não é o agronegócio. Acho que esse negócio se destina a produzir dólar, não produzir alimento. Setenta por cento de toda a alimentação humana vem da agricultura familiar, vem da agricultura orgânica. É importante que uma cidade como Anagé tenha uma escola que forme as pessoas do campo, porque nós vivemos na época do conhecimento. Conhecer as sementes, conhecer o solo, conhecer os ritos da natureza, se a gente conhece cientificamente, pode se tirar vantagens disso. E a escola deve passar adiante esses conhecimentos. Então eu acho que o futuro da região, mas também o futuro global da humanidade, caminha na direção da economia solidária, da bioagricultura, biocivilização, da agricultura familiar, agricultura orgânica, só utilizar aquilo mesmo que a natureza trás. Por isso, eu acho que essas escolas precisam se multiplicar e isso vai ajudar a garantir a cidade uma alimentação de qualidade e enraizar as pessoas no local.
ASA - Em 2012, o Semiárido Brasileiro sofreu uma das maiores estiagens que se tem notícia. E a perspectiva para 2013, segundo os institutos de meteorologia, prevê mais estiagem. Qual sua opinião sobre a atual situação da região semiárida?
Leonardo Boff - Bom, primeiro, essa estiagem longa é um sinal para a humanidade, não só para o Semiárido, de que a terra está doente. Não é possível que aqui no semiárido haja uma falta de água tremenda e nós do sul tenhamos enchentes que estão destruindo cidades, ventos, vendavais que destelham e destroem plantações. Isso revela que a terra perdeu o seu centro, que ela está desregulada e isso vem sob o nome de ‘eventos extremos’. Então, de um lado temos grandes secas, de outro lado grandes enchentes. Então, isso é um sinal do que a gente precisa levar em consideração e aprender, e por outro lado, educar a educação para conviver com essa situação. E desafiar, pressionar o poder público para ajudar a população e fazer aquilo que ela, com seus meios, não conseguem fazer. Porque o desafio é maior do que a nossa capacidade de resposta. Aí, é preciso aproveitar tudo que for possível, como a prática de construir as famosas cisternas, que a ASA [Articulação Semiárido Brasileiro] organizou de forma extraordinária. Elas precisam se multiplicar aos milhares, senão aos milhões, porque isso vai garantir a alimentação na região e a sustentabilidade das famílias. 
ASA - O senhor fala em conviver, e a convivência é uma palavra-chave trabalhada pelas inúmeras organizações não governamentais que atuam no Semiárido, através da ASA. O senhor acredita que o ideal de convivência com o clima Semiárido é um caminho que se deva abraçar na busca por uma realidade mais justa para o povo do sertão?
Leonardo Boff - Eu acho que há dois conceitos-chave que vocês criaram. Primeiro é a convivência. Pois convivendo, evita-se a imigração, de ir para o Sudeste, Sul. E obriga a dialogar com a natureza, conhecer a natureza, ver o que pode tirar dela... esse é um ponto. Segundo, é aprofundar as tecnologias sociais. Isso é, para cada coisa daqui, para fazer uma cisterna, pra criar um bodinho, pra criar ou não uma vaca, para produzir isso e aquilo, tem que ter conhecimento. Então as tecnologias sociais são destinadas para o povo, desenvolvidas a partir da experiência que o povo tem, de dezenas de anos. Mas é preciso melhorá-las, combatendo a insuficiência e o desconhecimento. Então eu acho que essas duas coisas, a convivência, que é estar ali na sua terra, juntamente com conhecimento aliado as tecnologias sociais, é uma das saídas possíveis para essa crise.

segunda-feira

No Semiárido, oligarquia política é mais devastadora que a seca, diz pesquisador.

Por Roldão Arruda
Do O Estado de S. Paulo

A seca no Semiárido nordestino, que, de tempos em tempos, mobiliza as atenções do País, tem duas faces, segundo o professor José Jonas Duarte da Costa, da Universidade Federal da Paraíba. Uma delas – marcada pela ausência de chuvas – é a face natural. A outra é a socio-histórica, que ele considera “muito mais grave e devastadora”.

O professor assegura, que, ao contrário do que muita gente pensa, a região não tem sido esquecida pelo Estado brasileiro. Volumes consideráveis de dinheiro têm sido sistematicamente enviados para promover o desenvolvimento do Semiárido. O número de siglas de projetos e empresas envolvidos com a questão também só aumenta. Entre elas aparecem DNOCS, Codevasf, CHESF, BNB, Sudene, ProHidro, PAPP, Projeto Sertanejo e outros.

O problema é que o dinheiro não chega a quem mais precisa: é embolsado pela oligarquia econômica e política local. Para piorar o quadro, os projetos públicos escolhidos não são adequados para a região.

Costa é doutor em história econômica pela USP e mestre em economia rural pela Federal da Paraíba. Além de ensinar, atua como pesquisador visitante do Instituto Nacional do Semiárido (Insa). Na entrevista abaixo, ele afirma que a região nordestina poderia ter um elevado grau de desenvolvimento se os projetos fossem adequados e os recursos não fossem embolsados pelas oligarquias.

O Semiárido enfrentou em 2012 um dramático período de estiagem. Em recente artigo sobre a região, o senhor atribuiu os problemas a políticas equivocadas de combate à seca.

Não se trata apenas de equívocos, mas, sobretudo, de projetos e políticas que serviram a interesses menores, de grupos econômicos dominantes, de características oligárquicas ou empresariais. Tais grupos sempre se beneficiaram de modelos economicamente concentradores e socialmente excludentes. Para mim, essa é a questão chave: os projetos e políticas públicas, além de equivocados,  obedeceram a interesses privados, minoritários, excludentes.

Isso ocorreu mesmo com a Superintendência de Desenvolvimento Econômico do Nordeste, a histórica Sudene?

Sim. A exceção foi a atuação da Sudene durante os governos de Juscelino a Jango. Dirigida por Celso Furtado e um grupo que ele formou, até o golpe de março de 1964, aquela superintendência seguia a lógica de atrair investimentos e democratizar o acesso à terra e à água, por meio da reforma agrária. Depois de Furtado esqueceram a reforma e, consequentemente a democratização da terra e da água.

Os recursos públicos não chegam à população mais necessitada?

Não chegam. Infelizmente. Numa sociedade desigual como a nossa, eles beneficiam os mais poderosos em praticamente todos os projetos.

Isso ocorre atualmente?

Estou falando da realidade de hoje. Na Paraíba, o governo estadual tem feito enorme esforço para garantir o fornecimento de ração aos agricultores familiares, mas os grandes fazendeiros e empresários se apossaram do programa e são eles quem, de fato, têm acesso à ração animal. O mesmo tem acontecido com o programa de distribuição de milho que o governo federal subsidia: só os produtores com melhores condições obtêm acesso ao programa.

O que seria necessário mudar, na sua avaliação?

No plano político seria preciso quebrar a estrutura de poder oligárquico que se alimenta da seca. Por mais paradoxal e triste que seja, ainda é comum assistirmos a políticos profissionais que se beneficiam e tiram proveito eleitoral da situação caótica. Aparecem como defensores dos flagelados e oprimidos. Criam logo uma SOS Seca e tornam-se garotos midiáticos, preparando as bases eleitorais para as próximas eleições, prometendo “vestidos a marias e roçados a joões”, como dizia a música de Gilberto Gil em 1968.

Como romper esse círculo?

Romper essa estrutura política significa eleger outros interlocutores para um diálogo franco de construção de alternativas de convivência com a seca. Não se pode aceitar mais que os políticos locais sejam os intermediários entre os projetos de enfrentamento da questão e a população que espera os chamados benefícios. É necessário criar mecanismos de democracia participativa efetiva, onde o povo organizado participe dos fóruns de decisão e dirija os processos de execução de políticas públicas. Não é fácil, mas é preciso fortalecer as organizações populares, os movimentos sociais, setores da igreja, sindicais.

Essas organizações alternativas também apresentam problemas e dificuldades.

Existem vícios e problemas na execução dos projetos, mas, sem dúvida, de longe, com muito menos casos de corrupção, desvio de conduta e descaminhos de projetos. A experiência da ASA (Articulação do Semiárido)  com as construções de cisternas de placas, cisternas calçadão, barragens subterrâneas, etc, é um exemplo de eficiência. No plano mais amplo, é preciso montar uma infraestrutura produtiva em função das condições peculiares da região.

O senhor fala em convivência com a seca. Isso é possível?

Cerca de dois terços das terras do planeta estão em regiões de clima árido ou semiárido. E em muitos desses lugares as pessoas vivem bem, muito bem. O nosso semiárido é o que mais tem chuvas no mundo e um dos que apresentam maiores potencialidades. É preciso deixar claro que o Semiárido não é só pobreza, miséria e seca. É uma região com dificuldades e desafios, mas com potencialidades enormes, muitas belezas e riquezas.
Conhecemos produtores, em pleno Cariri paraibano, região das mais secas do Brasil, onde não chove há praticamente dois anos, que ainda não sentiram o drama da seca. Na realidade sentiram mais o efeito da dizimação da palma forrageira pela praga da cochonilha do Carmim do que da seca. Esses agricultores aprenderam a viver em zona seca, semiárida, com pouca chuva. Vivem com muita dignidade e altivez.

Como conseguem?

No período das chuvas produziram e armazenaram alimentos para os seus rebanhos – e até agora dispõem de reservas para alguns meses. Também aprenderam a estocar água para utilizar nos períodos de longas estiagens. São produtores de agricultura familiar que não deixam a desejar em produtividade, eficiência e qualidade a nenhum produtor das regiões mais chuvosas do Brasil. Produtores com média de 20 litros de leite por vaca em plena seca.
Apenas montaram infraestrutura tecnológica adaptada ao semiárido. Não transplantaram modelos produtivos de outras regiões. Assim como os suíços se preparam para o rigoroso inverno, com nevascas e gelo que matam tudo em suas terras, assim como árabes e judeus se preparam para as adversidades climáticas, os sertanejos sabem se preparar para a vida sob as condições climáticas próprias dessa parte do Brasil.

O senhor fala em potencialidades da região. Elas não são exploradas?

Não. E são muitas. Um exemplo: poderíamos exportar para todo o Brasil energia elétrica a partir da energia solar. Outro exemplo: poderíamos exportar proteína animal, como se vê em outras áreas semiáridas do mundo, e fornecer queijos finos de leite de cabra. Temos cerca de 90% do rebanho caprino nacional, plenamente adaptado ao clima local.

Chama a atenção, no artigo que escreveu, a lista de siglas de programas para a região.

Lembrar essas siglas é quase lembrar a história do Brasil. O IFOCS, que virou DNOCS, atuou na perspectiva de uma solução hidráulica para a seca. Construiu uma infraestrutura de açudes e barragens que deu à região um razoável suporte hídrico. No entanto, desmentindo o paradigma da solução hidráulica, nos anos 80, quando o Semiárido já dispunha de todos os mananciais que dispõe hoje, veio a crise da cotonicultura, que, articulada com a crise econômica dos anos 80 e as secas, provocou o maior fluxo migratório da história. Cerca de 5 milhões de sertanejos deixaram os sertões secos do Brasil.

Esse paradigma hidráulico foi abandonado?

Embora desmoralizado, setores políticos hegemônicos ainda tentam resgatá-lo no Nordeste, certamente para tentar se beneficiar.

E as outra siglas e políticas públicas?


O BNB (Banco do Nordeste do Brasil)  tornou-se o maior latifundiário do Nordeste, pois é credor de uma dívida impagável por parte da grande maioria dos proprietários de terra da região. Também tem CHESF, Codevasf e os programas de emergência: Projeto Sertanejo, Reflorestamento com Algaroba e outros. Todos tem sempre o mesmo objetivo: desenvolver o Semiárido. O problema é que todos se baseiam em modelos importados, que não levam em conta as as potencialidades da região.

De que maneira os programas de transferência de renda, como o Bolsa Família, afetam a região?

O Bolsa Família funciona como política compensatória diante da incapacidade do Estado para superar a pobreza, o desemprego e a miséria, características do sistema capitalista, especialmente na sua periferia. Para uma efetiva distribuição de renda seria necessário alterar o modelo que privilegia o lucro exacerbado e o acúmulo de capitais. O atual governo, embora tenha reforçado os programas sociais, não alterou a estrutura espoliativa do trabalho no Brasil. Não mexeu nos privilégios.

Mas o programa não teve impactos?

O Bolsa Família teve e tem impactos importantes na redução dos índices de fome e miséria nos sertões semiáridos. Ele também propicia uma circulação monetária que cria uma espiral virtuosa em economias locais, onde predomina a baixa renda. Nos sertões, além de reduzir a miséria, levou ao escasseamento da mão de obra, melhorando os padrões salariais para uma parcela das classes trabalhadoras de rendas baixíssimas. Esse é um impacto perceptível.
Por outro lado, gera um processo que pode se voltar contra a própria classe trabalhadora, que tende a acomodar-se. Como vivemos um momento de inflexão das lutas sociais, o Bolsa Família que alimenta o trabalhador é o mesmo que o paralisa na luta por sua emancipação, o domestica politicamente, para a reprodução da exploração sobre o seu trabalho.

E do ponto de vista político-eleitoral?

Os programas sociais têm reflexos direto na popularidade do governo. Quem, como eu, viveu a infância e juventude nos sertões nordestinos, não esquece as cenas de fome e desnutrição, inclusive tendo a morte como companheira próxima – algo comum nas famílias dos agricultores pobres.
Hoje ainda existe muita fome, miséria, desnutrição, mas não comparáveis ao que havia naqueles tempos. A grande popularidade do governo se explica porque, embora de um lado realize os sonhos dos capitalistas que “nunca antes na história desse país” acumularam tanto, de outro, promete acudir parte dessa população, historicamente desassistida, ainda despolitizada e que, sob essas condições, só poderia reagir agradecendo.

Agrotóxico Mata!