sexta-feira

Agricultores e agricultoras trocam experiências e técnicas de convivência com o Semiárido

Mirian Oliveira - Comunicadora popular da ASA
Riachão do Jacuípe - Bahia
26/05/2014
Agricultores e agricultoras de três municípios foram para Riachão do Jacuípe | Foto: Mirian Oliveira
O sol nem tinha raiado. Estava nas primeiras horas do dia. Os orvalhos típicos de inicio de inverno da Bahia se já faziam presentes nos galhos das árvores. Mas nem o frio, ou outros empecilhos, impediram que 45 agricultores e agricultoras saíssem de suas casas. Eles e elas deixaram o plantio com a responsabilidade de outra pessoa da família e seguiram com um desejo: buscar novas experiências e novas descobertas que facilitem a vida no Semiárido.

Uma das atividades previstas no Programa Uma Terra e Duas Águas (P1+2), realizado pela ASA, é o intercâmbio entre agricultores e agricultoras. Em Serrinha, na Bahia, esta troca de conhecimentos da agricultura familiar é executada pela Apaeb Serrinha.

Por volta das 5h da manhã da última terça-feira (21), agricultores e agricultoras dos municípios baianos de Nordestina, Queimadas e Cansanção partiram em busca de novas descobertas e trocas de saberes. O destino de todos e todas foi o município de Riachão do Jacuípe, na Bahia. Eles e elas conheceram as propriedades de Seu Eduardo Emídio, localizada na comunidade Barreiros, e a de Seu Abelmanto Carneiro, na comunidade de Mucambo.

As expectativas eram muitas. A ansiedade maior ainda. A cada quilometro percorrido, as mesmas perguntas se repetiam: “já chegou?” “É aqui?” “Falta muito?”. Ansiedade que só foi sanada quando o grupo foi recebido com um sorriso largo por seu Eduardo Emídio, agricultor que desenvolve o Projeto Produzir e Preservar, que surgiu há 14 anos, com o objetivo de criar alternativas para se conviver no Semiárido. A iniciativa também mexe com o imaginário social a região semiárida brasileira. ‘’Nasceu a necessidade de desenvolver este projeto para mostrar que esta visão pode ser transformada, ou melhor, que podemos conviver neste clima e que tem pessoas aqui que vivem dignamente. Então o projeto nasceu dessa necessidade de mostrar que o nordeste não é só região de miséria e sim também uma região boa para viver, para morar’’, destacou Eduardo.
Leia mais...

Famílias celebram conquista de mais água para produção no Semiárido.

ASA e Petrobras comemoram nesta quarta (28/5) a conclusão da implementação de 20 mil tecnologias sociais do Programa Uma Terra e Duas Águas (P1+2)
Monyse Ravena e Ronaldo Eli - ASACom
Recife-PE
28/05/2014
No Sítio Enjeitado, em Triunfo (PE), o agricultor Antônio, ao lado da esposa, está otimista com a conquista da tecnologia social | Foto: Vládia Lima 
“Parece que com o barreiro [trincheira] a água não vai sair e acredito que já melhorou muita coisa na nossa vida, só em ter aqui, a nossa produção vai ampliar ainda mais. A nossa vontade agora é ver esse barreiro cheio e a gente plantar e ver ainda mais a nossa melhoria no Semiárido”, conta a agricultora Denise Oliveira Calçada, da comunidade de Intrude, no munício de Serrinha, na Bahia. Sua família já tem uma produção de hortaliças bem diversificadas e a expectativa é que a nova tecnologia potencialize a produção.

O barreiro a que Denise se refere é uma tecnologia social exitosa que permite às famílias do Semiárido conviver com a estiagem. Além do barreiro-trincheira, existem outras tecnologias como a cisterna-calçadão, a cisterna-enxurrada e a barragem subterrânea. Em maio do ano passado, a Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) firmou um contrato de patrocínio com a Petrobras, para construir 20 mil dessas tecnologias sociais em 210 munícipios do Semiárido. A parceria está sendo concluída neste mês e teve um  investimento de 200 milhões.

Seu Antônio permaneceu produzindo no período de estiagem | Foto: Vládia Lima
Quem também está otimista e feliz com a chegada da tecnologia é o agricultor Antônio Alves de Queiroz, da comunidade Sítio Enjeitado, no município de Triunfo, em Pernambuco. Ele fala com dos benefícios da cisterna-enxurrada que conquistou pelo projeto: “A cisterna já ajudou muito na minha produção, no plantio da mandioca, do mamão, do milho, do feijão, da melancia. No período da seca não faltaram hortaliças na mesa de casa.”, afirmou.

Com a conclusão desse projeto, a ASA chega a quase 48 mil tecnologias para produção de alimentos, construídas através das organizações da sociedade civil que compõem a rede, e financiadas através de diversas parcerias. Outras 20 mil implementações já estão em curso este ano, e contam com apoio do Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), do BNDES e da Fundação Banco do Brasil.

O município de Serrinha, onde Denise mora, foi o escolhido para realizar a cerimônia de conclusão do projeto, que ocorreu na manhã desta quarta-feira, 28, na comunidade Saco do Correio. O evento reuniu cerca de mil e duzentos agricultores e agricultoras de todo o semiárido no município de Serrinha, na Bahia. Durante a celebração foi realizada a Feira “Expressões da Agroecologia no Brasil”, com produtos da agricultura familiar, como hortaliças, ovos de galinha, feijão e licuri, e produtos processados, como beiju, bolos, mel, sequilhos, polpa de frutas, flocos de milho, entre outros.

O coordenador da ASA pelo estado da Bahia, Naidson Baptista, destaca o significado do projeto para as famílias. “Avaliamos essa parceria como da mais alta importância. Sabemos o que significa uma empresa como a Petrobras se voltando para questões específicas da população do Semiárido e apoiando ações de armazenamento de água para produção, que é um processo de fundamental importância para a convivência com o Semiárido. Isso projeta uma imagem muito positiva da ASA e da Petrobras por terem conseguido executar esse contrato de patrocínio tendo as famílias como sujeitas do processo”, avalia Naidison Baptista.
Agricultora Auralice Oliveira fala durante cerimônia em Serrinha | Foto: Mirian Oliveira
Além de Naidison, o diretor corporativo e de serviços da Petrobras, José Eduardo Dutra, a ministra de Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Tereza Campello, e o governo do Estado da Bahia, Jacques Wagner, dentre outras autoridades políticas, participaram da cerimônia em Serrinha.

As 20 mil tecnologias atendem cerca de 100 mil pessoas que, agora, terão  disponibilidade de guardar a água da chuva para plantar e criar animais em épocas de estiagem. Essas infraestruturas também promovem o fortalecimento do estoque de sementes e de mudas de plantas nativas da região. O projeto apoiou a constituição de 130 bancos de sementes, para garantir a diversidade das variedades tradicionais camponesas, e 65 viveiros de mudas, dedicados à recorbertura e ao recatingamento da região semiárida. Também foram realizadas capacitações de famílias agricultoras em gestão de água para produção e de pedreiros e pedreiras para a construção das tecnologias.

“A estratégia de estoque é essencial e fundamental quando a gente trata da convivência e da viabilização do Semiárido. A ASA contribui criando condições para que as famílias vivam, e vivam bem. A questão do Semiárido é que a água está concentrada nas mãos de poucos ou mal armazenada. Esses processos abrem espaços e práticas de um bom armazenamento”, destaca Baptista.

A agricultora Maria de Lourdes Freitas, da comunidade Barra Grande, também no município de Serrinha, está vivendo suas primeiras experiências com a cisterna-calçadão, cuja água está usando para aguar as plantas. Sua família já planta verduras, alface, cebolinha e coentro e de agora em diante poderá plantar em maior quantidade, contando com a água armazenada na cisterna.

quinta-feira

70% dos alimentos do mundo vêm da agricultura familiar.

Produção de Hortaliças Orgânicas na Chapada do Apodi.
Da IHU On-Line


Os incentivos para o desenvolvimento da agricultura familiar brasileira não passam de um “estímulo de intenções”. A ponderação é de Newton Narciso Gomes Junior, professor da Universidade de Brasília – UnB, em entrevista concedida à IHU On-Line, pessoalmente.

Políticas de estímulo ao desenvolvimento da agricultura familiar, como o Programa de Aquisição de Alimentos – PAA e a Lei Federal que determina que 30% dos alimentos servidos nas escolas devem provir da agricultura familiar, são reféns do sistema nacional de abastecimento de alimentos, já que o processo de comercialização é oligopolizado.


“O que adianta dar um estímulo brutal para a produção de comida da agricultura familiar, se o agricultor não tiver onde colocar esses produtos? (...) As cadeias de supermercado dominam hoje 85% do volume global de alimentos comercializados, as grandes redes controlam mais de 50% e para entrar no supermercado é preciso ter uma escala que a agricultura familiar não tem”, argumenta.


Segundo ele “a agricultura familiar tem uma característica de diversificação da produção, e o supermercado não aceita a diversificação da produção; ele tem um conjunto de produtos que integra os elementos de interesse dele. (...) Você olha para o setor de frutas, legumes e verduras no supermercado e chega a provocar indignação. Por exemplo, em pleno período de inverno tem manga disponível, mas não é período de manga, aliás, você tem todos os produtos que quiser, no dia que quiser, e isso quebra a possibilidade do agricultor familiar, que trabalha com práticas tradicionais e sustentáveis”.


Na avaliação de Gomes Junior, apesar de a agricultura familiar ser “relevante do ponto de vista do potencial de produção de comida”, ela vem perdendo importância por conta da não revisão do sistema nacional de abastecimento. Entre as implicações, destaca, há um “formidável espetáculo de insegurança alimentar por inadequação da dieta”.


Entretanto, ressalta, “a leitura política do governo é de que a questão da agricultura brasileira está resolvida na medida em que ela é decisiva para resolver os nossos problemas de déficits ou de balanço de pagamentos”. Para ele, somente a reforma agrária possibilitará a produção de “comida” para a população.


“A minha posição sobre a reforma agrária é a seguinte: é prioridade, neste país, a produção de alimentos para a população, de sorte a garantir a nossa soberania alimentar não só pela autossuficiência, mas pelo direito de produzirmos o que entendemos ser razoável, para quem definimos que é importante e como definimos produzir isso da melhor forma possível. Nesse sentido, não tenho nenhum problema em defender que a reforma agrária deve enfrentar abertamente a desapropriação dos latifúndios, até porque esses latifúndios, que são tão importantes, se mantêm e se sustentam com o índice de produtividade de 1975, o que é uma ficção”, frisa.


Newton Narciso Gomes Junior é graduado em Economia pela Universidade de São Paulo – USP, especialista em Abastecimento Alimentar e Desenvolvimento Rural e doutor em Políticas Sociais pela UnB. Atualmente é professor do Departamento de Serviço Social da Universidade de Brasília, do Programa de Pós-Graduação em Política Social da UnB e Coordenador do Diretório de Pesquisa Neads-Núcleo de Estudos Agrários, Desenvolvimento Social e Segurança Alimentar e Nutricional. É coordenador editorial da revista da Associação Brasileira de Reforma Agrária.

quarta-feira

Agricultora familiar tem agroecologia como estilo de vida e método de trabalho.


Agricultora familiar tem agroecologia como estilo de vida e método de trabalho

Foto: Fábio Caffe

A agricultora Francisca Eliane Viana vive em Mossoró, no Rio Grande do Norte. No assentamento Mulunguzinho, porém, não pergunte por Francisca para encontrá-la, mas, sim, por Neneide. Com três filhos, de 20, 23 e 26 anos, Neneide foi mãe pela primeira vez aos 15 anos e, aos 41 anos, tem quatro netos. Trabalhadora do campo, ela tem disposição de sobra para enfrentar os desafios diários, colocar sua força na gestão de uma cooperativa e divulgar, para quem puder, os benefícios das práticas agroecológicas.
Atualmente, Neneide preside a Cooperativa de Comercialização Solidária Cooperxique, formada por 60 famílias, homens e mulheres agricultores familiares, e também coordena a rede Xique-Xique, que reúne 14 núcleos de artesãos e artesãs em 14 municípios do Rio Grande do Norte. A rede une associações e cooperativas para promover a comercialização dos produtos dos cooperados. A cooperativa familiar Cooperxique é um braço da rede que cuida da parte administrativa e comercial.
Neneide e todos os agricultores da cooperativa vendem sua produção individualmente para o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA): hortaliças, galinha caipira e mel. Já a cooperativa vende produtos para o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae). A comercialização para o programa começou no segundo semestre de 2013, quando foram feitos dois contratos, de peixes e frutas, no valor de R$ 7 mil, e que deve ser o primeiro de muitos, segundo expectativa da presidente Neneide.
“Quando comecei a frequentar grupos de discussão de mulheres agricultoras, conheci um tipo de agricultura diferente. Comecei a me reconhecer e minha mãe passou a resgatar como era o manejo. A gente se encontrou novamente com o campo e as práticas que se fazia antes, trabalhar de uma maneira em que se respeitassem os animais, as pessoas que vivem naquela comunidade”, relata Neneide.
Manejo sustentável
“Começamos a trabalhar o manejo sustentável, com uma perspectiva diferenciada da comunidade”, ela lembra. O trabalho com hortaliças agroecológicas foi iniciado em 1999. “Percebemos o equilíbrio da natureza, aprendemos que não se precisa de químicas para ter o equilíbrio, como a natureza tem o ciclo. O sapo come o grilo, as joaninhas comem o pulgão, a natureza faz com que as coisas permaneçam sem você interferir nela. A gente tem que aprender a conviver com o equilíbrio que a natureza nos oferece”, descreve. As agricultoras do Mulunguzinho passaram, então, a cultivar frutas e 30 variedades de hortaliças. “Isso começou a fortalecer nossa produção e dar condições para nossa segurança alimentar”.
Em 2003, a comunidade pensou em exercer uma atividade diversificada para não depender de muita água, que falta em período de seca na região. Iniciaram a produção de mel: “A abelha fazia a polinização das frutas e fazia o mel para nossa segurança alimentar”, conta Neneide. Em busca de mercado para comercializar as frutas, o mel e as hortaliças, as agricultoras acessaram o PAA e outras políticas públicas. Criaram, também, uma associação, para estimular o consumo urbano do que era produzido.
“Para nós, foi muito importante viver e conviver com agroecologia, porque começamos a nos organizar, a tirar nosso sustento e a fortalecer nossa mesa; ter diversidade de produção e de alimentos para nossa casa. Se um filho nosso sentisse fome, a gente buscava na horta um mamão para ele comer, uma banana pra ele lanchar, verdura para colocar no feijão. E foi assim que a gente começou a perceber o quanto a agroecologia é importante”, relata Francisca Eliane Viana, a Neneide.

STTR de Apodi/RN visita atingidos pelas obras da Barragem de Oiticica em Jucurutu/RN.

Na manhã de ontem (27) membros da diretoria do Sindicato dos Trabalhadores e das Trabalhadoras Rurais de Apodi/RN estiveram juntamente com uma comitiva da região Oeste Potiguar que atuam no campo visitando as obras da Barragem de Oiticica.
Várias famílias atingidas estão acampadas no canteiro de obras da barragem onde cobram do governo do Estado resposta sobre suas desapropriações, onde estão sendo praticamente “obrigados” a deixarem suas casas e suas terras sem perspectivas para onde vão.
A comitiva também esteve visitando a comunidade de Barra de Santana localizada na zona rural de Jucurutu/RN onde centenas de famílias que ali vivem estão saindo da localidade devido a construção da barragem que irá inundar todo o lugarejo.

A equipe do STTR/RN de Apodi/RN esteve levando à palavra de apoio as famílias que resistem ao projeto, reafirmando que sempre estará disponível para apoiar a luta dos campesinos que ali estão. “A luta de vocês que sofrem s conseqüências desse projeto que trata de uma barragem não é diferente da nossa luta em Apodi, no fim o capitalismo legitimado pelo Estado tende a repassar tudo que é nosso para as multinacionais, o agronegócio”, enfatizou Edílson Neto presidente do STTR de Apodi. 

Mais fotos da construção da Barragem de Oiticica a seguir:






segunda-feira

Perímetros irrigados: o espaço geopolítico do capital no semiárido.

Perímetro Jaguaribe-Apodi ocupado
Dossiê sobre os impactos da irrigação nos estados do Ceará e Rio Grande do Norte é lançado no III ENA
Por Anna Beatriz Anjos, fotos por Francisco Valdean

“Os perímetros irrigados vêm evoluindo no sentido claro de ser um espaço geopolítico do capital no semiárido.” É o que afirmou a médica Raquel Ragotto, professora da Universidade Federal do Ceará (UFCE), neste sábado (17), durante seminário realizado no III Encontro Nacional de Agroecologia (ENA), em Juazeiro, na Bahia.
Ragotto lançou o dossiê “Perímetros Irrigados: 40 anos de violação de direitos no semiárido”, que produziu junto a outros 19 pesquisadores das áreas de geografia, história, direito, meio ambiente e saúde, vinculados a cinco universidades do Nordeste. O documento analisa os impactos de 5 territórios de perímetro irrigado (PI) sobre a vida de comunidades nos estados do Ceará e Rio Grande do Norte.
De acordo com a professora, que é também representante da Rede Brasileira de Justiça Ambiental e da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), o estudo partiu de uma demanda do Movimento 21, que reúne movimentos sociais do campo, como Cáritas Diocesana de Limoeiro do Norte, Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem
Terra (MST) e Comissão Pastoral da Terra (CPT).
Os camponeses afirmam que as áreas de perímetro irrigado facilitam a ocupação de terras por parte das empresas nacionais e transnacionais do agronegócio que, a partir da exploração dos recursos naturais e da mão de obra local, cultivam commodities para exportação. Isso vai na contramão das práticas agroecológicas adotadas por vários deles, que tentam manter o cultivo biodiverso e priorizam o equilíbrio com a natureza.
A partir do diálogo com a população das regiões afetadas, definiu-se que a pesquisa se focaria na violação de alguns se seus direitos básicos: à terra, à participação política, à água, ao meio ambiente, ao trabalho digno e à saúde. Em relação a esta última, o dossiê traz uma denúncia grave: devido ao uso abusivo de agrotóxicos, a taxa de mortalidade por câncer entre as comunidades que vivem no entorno das plantações do agronegócio é 38% maior do que nos locais onde há apenas agricultura familiar.
Francisco Valdean 7
O agricultor Francisco Edilson Neto

Francisco Edilson Neto, líder do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Apodi, é um dos agricultores ameaçados pelos perímetros irrigados. A Chapada do Apodi, região em que vive, já foi ocupada pelas grandes corporações em seu lado cearense – ela se localiza na divisa do estado com o Rio Grande do Norte. Desde quando foi inaugurado o PI Jaguaribe-Apodi, diversas famílias agricultoras perderam seus sítios para empresas como Fruta Cor, Bananas do Nordeste S/A e Del Monte Fresh Produce. Agora, um novo sistema de irrigação (PI Santa Cruz do Apodi) está sendo construído, dessa vez na parte norte-rio-grandense. “Esse projeto vai expulsar 6 mil pessoas de suas terras”, afirmou Neto.
Em sua fala, ele destacou ainda a importância de se analisar e comparar diversos casos semelhantes, como fizeram os autores da pesquisa. “É muito interessante que a gente junte esses conflitos. O problema é de todo mundo, não só de Apodi. Nós estamos perdendo os territórios. Se a gente não lutar, não vamos ter mais nenhum camponês no próximo ENA”, declarou.

Políticas de irrigação
O aumento da competitividade do agronegócio brasileiro e a ampliação da política de perímetros irrigados são metas da nova Política Nacional de Irrigação, instituída em janeiro de 2013 pela lei nº12.787. Por meio do Plano Plurianual de 2012-2015, o governo federal destinou 6,9 bilhões de reais para que a área já irrigada ultrapasse os 193 mil hectares e para que mais 200 mil sejam ocupados por novos perímetros.
“Nós temos hoje 38 perímetros irrigados no Brasil, e esse número será expandido enormemente. Os pesquisadores que já vinham estudando a questão e conhecem seus impactos sobre a população ficaram muito assustados”, relatou Raquel Ragotto. “Porque se em um pedaço, como o Jaguaribe-Apodi, a gente já vê um estrago enorme, imagina em 400 mil hectares?”, questionou.

COMUNICADO: Lançamento do Edital do RN Sustentável em Apodi/RN.



 
COMUNICADO
A Coordenação do Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural Sustentável e Solidário – CMDS do Município de Apodi/RN vem através deste convocar todos os presidentes de Associações e Organizações que atuam no município de Apodi/RN para participar do Ato de lançamento do Edital do RN Sustentável, que ocorrerá no Auditório do Sindicato dos Trabalhadores e das Trabalhadoras Rurais de Apodi no dia 28 de Maio (próxima quarta) a partir das 8 horas.
Na certeza da presença de todos agradecemos antecipadamente.
A Coordenação do CMDS – Apodi/RN

A agricultura camponesa e ecológica pode alimentar o mundo?

Por Esther Vivas
Do  Publico.es*


Calcula-se que a população mundial, em 2050, chegará aos 9,6 bilhões de habitantes, segundo um relatório das Nações Unidas. O que significa 2,4 bilhões a mais de bocas para alimentar. Diante destes números, existe um discurso oficial que afirma que para dar de comer para tantas pessoas é imprescindível produzir mais. No entanto, é necessário nos perguntarmos: Hoje, falta comida? Cultiva-se o bastante para toda a humanidade?


Atualmente, no mundo, “são produzidos alimentos suficientes para dar de comer para até 12 bilhões de pessoas, segundo dados da FAO”, afirmava Jean Ziegler, relator especial das Nações Unidas para o direito à alimentação, entre os anos 2000 e 2008. E recordemos que o planeta é habitado por 7 bilhões. Sem contar que todo dia é jogada 1,3 bilhão de tonelada de comida, em escala mundial, um terço do total que se produz, conforme um estudo da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO). Segundo estes dados, comida não falta.


Os números demonstram que o problema da fome não é por causa da escassez de alimentos, apesar de alguns se empenharem em afirmar totalmente o contrário. O próprio Jean Ziegler dizia: “As causas da fome são provocadas pelo homem. Trata-se de um problema de acesso, não de superpopulação”. Em definitivo, é uma questão de falta de democracia nas políticas agrícolas e alimentar. De fato, na atualidade, estima-se que quase uma em cada oito pessoas no mundo passa fome, de acordo com os dados da FAO. A aberração da fome atual é que ocorre em um planeta da abundância de comida.


Então, por que há fome? Por que muitas pessoas não podem pagar o preço cada dia mais caro dos alimentos, seja aqui ou em países do Sul. Os alimentos se tornaram uma mercadoria e se você não pode pagar por ela, preferem jogar a dar para comer. Do mesmo modo, os cereais não são produzidos apenas para alimentar as pessoas, mas também os carros, como os agrocombustíveis, e os animais, criação que necessita de muito mais energia e de recursos naturais do que se, com esses cereais, a pessoas forem alimentadas diretamente. Produz-se comida, mas uma grande quantidade dela não vai para o nosso estômago. O sistema de produção, distribuição e consumo de alimentos está organizado unicamente para dar dinheiro para aquelas empresas do agronegócio, que monopolizam do início ao fim a cadeia agroalimentar. Eis, aqui, a causa da fome.


Por conseguinte, por que alguns continuam insistindo em que é preciso produzir mais? Por que nos dizem que é preciso uma agricultura industrial, intensiva e transgênica que nos permita alimentar o conjunto da população? Querem nos fazer acreditar que as causas da fome serão a solução, mas isto é falso. Mais agricultura industrial, mais agricultura transgênica, como já se demonstrou, significam mais fome. Existe muita coisa em jogo, quando falamos de comida. As grandes empresas do setor sabem muito bem disso. Daí que o discurso hegemônico, dominante, diz-nos que elas têm a solução para a fome mundial, quando na realidade são aquelas, com suas políticas, que a provocam.

domingo

Economia solidária e agroecologia somando forças na construção de alternativas ao agronegócio.


ato na ponte
Por Ligia Bensadon, do FBES

Durante o III ENA, a pauta da construção das alternativas da economia solidária e da agroecologia estiveram articuladas a denúncia e a resistência nos territórios visualizados de norte a sul do país, nos seminários temáticos, oficinas e nas sessões simultâneas. Essa construção ganha passos importantes e segue num processo desafiante de diálogos e convergências de pautas e práticas entre redes e movimentos sociais, principalmente desde o processo do Encontro Nacional de Diálogos e Convergências em 2011. Confira algumas das expressões do diálogo entre a economia solidária e da agroecologia presentes no III ENA.
No caso das experiências produtivas foram inúmeros os relatos, por exemplo, em Santa Catarina a Afaooc, uma cooperativa de 13 mulheres produz para uma feira local produtos agroecológicos, em práticas de pluriatividade, com organização para logística e comercialização conjunta, com certificação participativa junto a Rede Ecovida de Agroecologia. Já na Bahia, mutirões nas terras de agricultores vizinhos é o que viabiliza a colheita e a construção de cisternas. Também em terras baianas um grupo de jovens gere um empreendimento de economia solidária em projeto de caprinocultura, comercializando através do PNAE, melhorando a auto-estima e mantendo os jovens no campo.
Em outra experiência, Diva, cooperada da Apaco-SC, cooperativa que há 25 anos atua no oeste catarinense, diz que “se não fosse pelas práticas da economia solidária não teríamos sobrevivido”, hoje se organizam em mais de 164 agroindústrias, acessaram crédito, com o desafio de fazer uma maior articulação com as iniciativas solidárias urbanas.
Na plenária das mulheres, cujo lema ecoou em todo o encontro “Sem feminismo não há agroecologia”, de forma semelhante a economia solidária também traz o lema “sem feminismo não há economia solidária”, e diversos foram os apontamentos de que a luta pela igualdade entre homens e mulheres passa pela autonomia econômica das mulheres, pelo reconhecimento e compartilhamento dos trabalhos de cuidado e reprodução da vida, enfim por uma mudança nas relações humanas, e das formas (re)produtivas que valorizem a vida.
No ENA diversas destas experiências foram visibilizadas, na produção dos quintais domésticos levando alimento e saúde para casa, no beneficiamento de produtos, como geléias e farinhas, no cuidado com as sementes. De acordo com Maria José, presidente da Central do Cerrado, empreendimento de economia solidária que atua para comercialização de produtos da sociobiodiversidade do cerrado, presente em 7 estados, “o fornecimento dos produtos na Central é de 90% vindos de agricultoras, mas o desafios ainda está para a conquista do crédito”. Rubenice, da Associação Tijupá de Agroecologia complementou o debate “a economia solidária é o caminho para a autonomia das mulheres, sem economia solidária também não há agroecologia, uma precisa da outra para se consolidar, são os mesmos princípios”.
feira
No Seminário de acesso a mercados e consumo, também foi aprofundada a relação entre práticas agroecológicas e solidárias, a partir da apresentação das experiências da Rede Ecovida no sul do país, da Associação Regional de Produtores Agroecológicos-MT e da RedeMoinho-BA. Um dos destaques foi a importância da articulação como um caminho para a efetivação das iniciativas, seja para formar circuitos de produção, comercialização e abastecimento de proximidade, acesso a mercados institucionais, manutenção das feira agroecológicas locais e no fortalecimento da pauta política destes movimentos sociais. Dentre os desafios foi apontada a logística e a necessidade de tarifas diferenciadas de circulação; a efetivação do PLANAPO (Plano Nacional de Agroecologia); normas de legislação sanitárias e legislação acessível e adequadas a realidade dos grupos produtivos; desburocratização do PAA; intensificar a denúncia contra os grandes grupos e monopólios de produção e abastecimento das cidades, entre outros.

Outro importante debate durante o seminário foram os casos de criminalização do PAA, com relato de João Antônio, agricultor do Paraná que teve o irmão preso por 2 meses devido a uma operação da política federal, no final do ano passado. De forma emocionante, João relatou o sofrimento e o impacto da operação que tratou os agricultores como criminosos, gerando desconfiança pela comunidade e também dos agricultores para acessarem o programa. “Será que valeu a pena ter investido neste programa? Houve um erro na compreensão da nota fiscal, mas isso não justifica que a polícia tenha revirado a casa e prendido meu irmão de forma humilhante”. A família até hoje sofre com a questão, tanto pelos danos morais, quanto por não ter sido paga há 8 meses pelo fornecimento realizado. O caso também precisa de apoio jurídico, para acompanhar o processo. Embora o PAA seja um dos programas mais importantes aos agricultores e agricultoras para acesso a mercados, há uma onda de criminalização e de aumento da burocracia. Do seminário foi retirada uma moção de apoio as famílias atingidas pela criminalização.
Na Oficina promovida pelo FBES “Economia Solidária: organização coletiva das práticas agroecológicas”, dentre os destaque foi vista a importância do papel do consumidor que é tão importante quanto a da produção, no entendimento de que o consumo é um agente e impulsionador da produção, que pode contribuir para outro mundo e na articulação do campo com a cidade, buscando caminhos de promover estas práticas através dos Coletivos de Consumo, por exemplo. Os participantes também puderam compreender o significado da economia solidária, para além da questão da geração de renda e organizativa, segundo a militante do MST da Paraíba “Estamos num processo de construção de alternativas, o que tem haver economia solidária com agroecologia é a construção de novos valores, solidariedade, vida coletiva, distribuição igualitária, não é apenas produção, em todas estas experiências forjamos grupos solidários, no semi-árido, de sementes, fundos rotativos, de mulheres que buscam construir coletivamente outras formas de produção e busca de novos valores, tanto de valores quanto de igualdade, em meio a essa contradição do mercado, do capital, não adianta sonhar com outra sociedade se não constrói agora”.
Na linha desta importante articulação, Chicão, do MST, apontou a importância do ENA para a unidade de pensamento e das práticas, que sinalizam o futuro da sociedade e que é uma luta política de classe e de um novo projeto. “Temos que unificar o conteúdo, que se expresse em formas diversas como o é a realidade brasileira”. Sobre a relação com a economia solidária aponta que “a economia solidária se encaixa perfeitamente neste processo, tem uma nomenclatura diferente, mas o princípio é o mesmo”. Quanto aos desafios para as convergências, “temos que avançar na luta política, no enfrentamento político, fazer grandes mobilizações sociais, não ficar apenas na negociação”.
Por fim, e de forma complementar, Douneto, da CPT de Góias, avalia que a “unidade na luta não significa uma desfiliação do movimento social de origem, quando juntamos pessoas alavancamos a militância e ocupamos espaços para nosso projeto. A denúncia vem junto com as propostas, não seremos meros reivindicadores, levamos propostas e buscamos sinergia não só para quem está na luta diretamente, mas para todas as periferias rurais e urbanas”.