sábado

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Trabalhadores preocupados com uso de agrotóxico

Casos de morte e doença levantam suspeita sobre impactos na saúde do manejo dos defensivos agrícolas.

Com mortes de trabalhadores rurais com sintomas parecidos, ocorridas no fim do ano passado, e, atualmente, dezenas deles com relatos de doenças supostamente causadas por agrotóxicos com que trabalham, aumenta a preocupação de médicos e familiares com a possibilidade de contaminação por agrotóxicos nas lavouras da Chapada do Apodi, em Limoeiro do Norte. Fraqueza no corpo, tontura, dor de cabeça, coágulos de sangue no vômito e mudança no tom da pele são alguns dos relatos de quem trabalha na aplicação dos defensivos agrícolas e na colheita de abacaxi.
Uma equipe de 20 médicos voluntários está fazendo consultas e exames nos trabalhadores. A Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e a Secretaria Especial dos Direitos Humanos acompanham a polêmica da contaminação por agrotóxicos na região jaguaribana.
A viúva Jarlene Matos, ao lado do filho, mostra documentos do marido Vanderley Matos da Silva, falecido com suspeita de contaminação por agrotóxico. (Foto: Melquíades Júnior).O agricultor Vanderley Matos da Silva, 31 anos, trabalhava numa empresa multinacional exportadora de frutas em Limoeiro. Sua função era fazer o coquetel de venenos aplicados na plantação. São vários produtos químicos, com princípios ativos que livram as frutas de pragas na lavoura. E dão garantia de colheita ao produtor.
Em julho do ano passado, Vanderley começou a sentir fortes dores de cabeça, falta de apetite e insônia. A pele tinha aspecto amarelado, e em pouco tempo perdeu mais de dez quilos. Em agosto, com a suspeita de hepatite, passou por vários médicos em Limoeiro; enquanto isso, reclamava de fraqueza e, em algumas das vezes em que comia, vomitava, apresentando coágulos de sangue.
Após exames que não acusaram qualquer anormalidade em seu fígado, Vanderley teve resposta diferente em Fortaleza, onde exames comprovaram a necessidade urgente de transplante desse órgão.

Ausência de autópsia

Hospitalizado à espera de solução, o agricultor morreu no trigésimo dia de internação, em novembro passado. Deixou mulher e filho, que sustentava com o que ganhava na Del Monte Fresh Produce Brasil, onde trabalhou por três anos e sete meses. O relato acima foi dado pela esposa e pela irmã de Vanderley à reportagem e em denúncia ao Ministério Público do Trabalho de Limoeiro do Norte. Contudo, até mesmo pela inexistência de autópsia, não é possível comprovar se há relação de causa-conseqüência entre o quadro de saúde do trabalhador e sua atividade na empresa.
A morte de Vanderley foi a segunda de um agricultor que trabalhava na aplicação de veneno entre outubro e dezembro de 2008. Antes, falecera José Valderi Rodrigues, acometido por uma infecção, supostamente causada por bactérias presentes nos venenos que manipulou. Os dois eram moradores no bairro Cidade Alta, o mais populoso de Limoeiro e um dos que mais fornecem mão-de-obra para as empresas da Chapada do Apodi.
Colegas de Vanderley estão preocupados com a saúde. Têm apresentado sinais parecidos com os do agricultor falecido. “Uns colegas dele têm vindo aqui saber dos sintomas, porque trabalham com os venenos e estão apresentando os mesmos sintomas”, afirma a viúva Jarlene Matos.

Saúde debilitada

É o caso de “José” (nome fictício), que pediu para não ser identificado porque trabalha em empresa da chapada e teme represálias. Trabalhando há mais de dois anos perto da área de aplicação de veneno, José tem reclamado, nos últimos meses, de tonturas, fraqueza no corpo, falta de apetite e pele amarelada.
No mesmo bairro, um agricultor de 28 anos, que trabalha na mesma empresa em que José, apresenta doença na pele. As células do tecido epitelial estão ficando degeneradas. A família toda está preocupada, como a de “Francisco dos Santos”, da Cidade Alta, que passou apenas cinco meses trabalhando na colheita de abacaxi e precisou pedir licença médica após freqüentes dores de cabeça e registrar pouca mobilidade de uma das pernas.
Com o agravamento da situação, cerca de 20 médicos do Departamento de Saúde Comunitária da Universidade Federal do Ceará (UFC), nos dias 31 de janeiro e 1º de fevereiro, realizaram consultas em 40 trabalhadores que atuam na Chapada do Apodi e estão preocupados com o próprio estado de saúde, suspeitando que a causa das doenças tenha sido o contato com os venenos.
Para o médico Antonio Lino, que atuou no município de Quixeré, que divide com Limoeiro o território cearense da Chapada do Apodi, embora não haja dados conclusivos sobre a relação agrotóxicos-doenças, uma série de fatos, que vão da localização do trabalho, da função exercida, dos equipamentos usados pelos trabalhadores aos sintomas “parecidos”, geram suspeita suficiente para se investigar o caso.

SAIBA MAIS

Câncer

Limoeiro do Norte tem um dos maiores índices de câncer do Interior do Ceará. Foram 190 casos registrados nos últimos sete anos. Médicos realizam estudos para verificar se há relação entre os casos e o uso de venenos por produtores. Em 11 cidades do Baixo Jaguaribe, agricultor e dona-de-casa são os mais acometidos por tumores malignos. Os principais casos verificados são de pele, cólo de útero, mama e próstata.

Perímetro

O Perímetro Irrigado Jaguaribe-Apodi, em Limoeiro, é um dos mais importantes do Nordeste, gera mais de 15 mil empregos diretos e produz mais de R$ 60 milhões todos os anos.

Fonte: Diário do Nordeste / Reportagem e Foto: Melquíades Júnior
Mais informações:
Departamento de Saúde Comunitária da UFC
(85) 3366.8044
Del Monte Fresh Produce
(85) 4006.1900

sexta-feira

Abuso no uso de agrotóxicos na Chapada do Apodi

O abuso no uso de agrotóxicos na Chapada do Apodi causa preocupação à população de Limoeiro do Norte, e cidades vizinhas. Mas até agora nada foi feito para controlar esse tipo de atividade.
Em 2005, foram mais de mil casos de internamentos devidos à intoxicação por agrotóxicos no Ceará, segundo revelam dados sistematizados pelo Núcleo de Epidemiologia da Secretaria Estadual de Saúde (SESA). O número de internações por intoxicação por pesticida no Ceará passou de 639 em 2004, para 1.106 em 2005.
Embora estes números já sejam bastante elevados, há indícios de que eles estejam subestimados, segundo reconheceu Luciano Pamplona, técnico responsável pela Análise em Saúde do Núcleo de Epidemiologia (NUEPI), da Secretaria da Saúde do Estado do Ceará. Foram tomados apenas os dados relativos ao Sistema de Informações Hospitalares, que não registra os casos que não necessitaram de internação para tratamento, como pode ser o caso de intoxicações sub-agudas ou crônicas, ou mesmo os casos agudos leves.
Conforme os dados de 2005, os municípios de Limoeiro do Norte, Tabuleiro do Norte e Jaguaribe apresentaram os maiores números de casos: respectivamente, 414, 117 e 99. Foi detectado um alto número de casos também nos municípios de São João do Jaguaribe (70), Alto Santo (69), Quixeré (63), Pereiro (45), Potiretama (37), Jaguaribara (34) e Ererê (30). Todos eles estão na área de implantação de grandes projetos de agronegócio, envolvendo empresas produtoras de abacaxi e outras frutas para exportação.
É preciso que as autoridades públicas responsáveis pela saúde, o trabalho, o meio ambiente, tomem as providências para conhecer melhor esta situação e interromper este ciclo de contaminação, adoecimento e, quem sabe, morte.
A Del Monte Fresh Produce Brasil Ltda., localizada na fazenda Ouro Verde IV, na Chapada do Apodi, Limoeiro do Norte, seria a empresa que mais usa os venenos indiscriminadamente. Além dos prejuízos à saúde, famílias tiveram suas terras desapropriadas, passaram a ser funcionárias das empresas ou foram expulsas para as periferias da cidade.

Trabalhadoras rurais aprendem sobre preparação e apresentação de produtos

Cerca de 60 mulheres participaram durante dois dias de uma capacitação que serviu de preparação para a 1ª Feira Territorial da Economia Feminista e Solidária. As participantes fazem parte de grupos localizados em diversos municípios do estado e produzem gêneros alimentícios, além de artesanato através dos princípios da economia solidária.
O responsável pela capacitação, professor da Ufersa Tiago Dias, especialista no assunto, forneceu informações sobre preparação e apresentação dos produtos, desde as etapas iniciais de produção até a venda.
Os grupos que participaram da capacitação e estarão expondo seus produtos durante a feira representam os territórios Açu-Mossoró e Sertão do Apodi. “Elas fabricam mel, hortaliças orgânicas, subprodutos à base de peixe, além de artesanato como renda, crochê e ponto cruz. O nosso objetivo é apresentar esses produtos alternativos para a sociedade e também conquistar a certificação deles dentro dos padrões exigidos pelo Ministério da Agricultura”, explica Lanusa Cristine, coordenadora do projeto Feiras da Economia Feminista e Solidária do RN.
Durante a feira cerca de 80 grupos estarão expondo seus produtos e realizando mesas de negociação dentro da programação do Encontro Estadual de Trabalhadoras Rurais, que acontece simultaneamente, no espaço Carcará. “Queremos que os órgãos apresentem as propostas sobre o que podemos fazer para conseguir os selos exigidos pelo ministério para comercializarmos nossos produtos. O nosso objetivo é sair do evento com os encaminhamentos”, diz Lanusa.
Além de dar mais visibilidade a produção, comercialização e intercâmbio dos produtos, os dois eventos que são fruto do processo de auto-organização das trabalhadoras rurais do estado, têm o objetivo principal de avançar nas políticas públicas voltadas para as mulheres e fortalecer a organização produtiva dos grupos.
Fonte: Blog Economia Feminista e Solidaria do RN

quinta-feira

Agrotóxicos: Água em áreas da Chapada do Apodi está contaminada

Os agrotóxicos identificados nas águas apresentam solubilidade de moderada a alta e mobilidade moderada quanto à capacidade de retenção no solo, significando que podem ser detectados em águas subterrâneas. A conclusão consta de uma análise feita pela Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos (Cogerh) na Chapada do Apodi, região leste do Estado, onde se concentram as maiores áreas irrigadas com água subterrâneas do Ceará.
O estudo, financiado pelo Banco Mundial, constatou a presença de calcário na água que também é salobra, sendo portanto imprópria para o consumo humano. “Segundo a população local (os que vivem em sítios e distritos) o alto índice de calcário tem causado muitos problemas renais”, de acordo com o relatório.

Saiba mais: Cogerh mapeia potencial hídrico do Estado e avalia o uso de agrotóxicos na Chapada do Apodi

O documento, batizado de Plano de Gestão Participativa dos Aquíferos da Bacia Potiguar (CE), foi concluído em outubro do ano passado pelos técnicos da Cogerh, mas foi apresentado há dois meses aos usuários da água na Chapada do Apodi, informa o diretor de planejamento do órgão, João Lúcio Farias de Oliveira.
Ele disse que foi criado um grupo gestor que fará o acompanhamento quantitativo e qualitativo da água na região, principalmente nos municípios cearenses de Limoeiro do Norte, Quixeré, Tabuleiro do Norte e Alto Santo. Foram instaladas 40 estações de monitoramento que dão informações de hora em hora.
João Lúcio reafirma que a água de lá é muito pesada, tem muito calcário e precisa ser acompanhada com relação aos agrotóxicos pulverizados na área de plantio. No relatório, é citada a preocupação dos moradores com relação ao meio ambiente “altamente impactado em função das queimadas, dos agrotóxicos e das caieiras que não são estruturadas”.
A população, por causa disso, constata o aumento do número de doenças provocadas pela poluição do ar como a tuberculose, alergias, micose, problemas respiratórios e até casos cancerígenos. Isso é o que consta no relatório da Cogerh.

Fiscalização

O diretor de planejamento do órgão diz que foi firmado um convênio com a Superintendência Estadual do Meio Ambiente (Semace) para a fiscalização naquela área e para um trabalho de educação ambiental. Doze comunidades são envolvidas nesse trabalho. E, de dois em dois meses, serão apresentados os dados do monitoramento da água. Estão sendo feitas ainda reuniões com os produtores de fruticultura.

SAIBA MAIS

- A médica e professora do Departamento de Saúde Comunitária da Universidade Federal do Ceará (UFC), Raquel Rigotto, e uma equipe de pesquisadores realizam, desde 2007, um trabalho de acompanhamento do impacto dos agrotóxicos na saúde do trabalhador e dos consumidores de frutas no Ceará, com ênfase na Chapada do Apodi. O trabalho é patrocinado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e já constatou a contaminação da água por produtos químicos.

- No dia 21 de Abril deste ano, o ambientalista José Maria foi assassinado com 19 tiros. Ele vinha denunciando o uso de agrotóxicos na região que tem área destinadas ao plantio da fruticultura para exportação.

- Agrotóxicos são produtos e agentes de processos físicos, químicos ou biológicos, usados na produção, armazenamento e beneficiamento dos produtos agrícolas e pastagens. É usado ainda em ambientes urbanos, hídricos e industriais para alterar a composição da flora ou da fauna, a fim de preservá-las da ação danosa dos seres vivos.

Informações: OPOVO Online, por Rita Célia Faheina

quarta-feira

Ministério Público do Trabalho já recebeu dossiê sobre uso de agrotóxicos na Chapada do Apodi


O Ministério Público do Trabalho recebeu dossiê elaborado pela Universidade Federal do Ceará (UFC) que aponta malefícios à população da Chapada do Apodi causados pelo uso de agrotóxicos na região. A apresentação do estudo serviu de palco para manifestações pela memória do ambientalista José Maria Filho.
A professora explanava sobre os impactos do agrotóxico nas comunidades da Chapada do Apodi (no seminário 'Conhecimento e Ação', ocorrido entre 19 e 20/08). Mas foi interrompida por uma homenagem a um protagonista da luta contra o agrotóxico. Era um grupo de manifestantes que adentrava o auditório, lembrando os quatro meses de morte do ambientalista José Maria Filho, assassinado com 19 tiros em 21 de abril de 2010, em Limoeiro do Norte.
Os gritos eram de “Companheiro Zé Maria, aqui estamos nós, falando por você, já que calaram a sua voz”. E foram repetidos, várias e várias vezes, por membros dos movimentos sociais que foram ao auditório da Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos (Fafidam), em Limoeiro do Norte. A professora Raquel Rigotto, que comandava a apresentação, também participou da homenagem.
Raquel Rigotto, médica e professora da Universidade Federal do Ceará (UFC), descrevia a pesquisa, iniciada há cerca de três anos.
É um estudo epidemiológico da população do Baixo Jaguaribe exposta a contaminação ambiental em área de uso de agrotóxico.
Foram estudadas oito comunidades, que abrigam cerca de mil moradores cada. São oito mil pessoas, no total, expostas ao veneno, segundo ela.
Populações de Limoeiro do Norte, Quixeré e Russas foram analisadas, além da cultura de abacaxi, melão e banana, maiores responsáveis pelo agronegócio na região. Em uma das comunidades estudadas, cita a professora, foi constatada a presença do endossulfam, substância tóxica que teve uso banido pelo Ministério da Saúde nesta semana.
Foram achados ainda sete tipos de veneno na comunidade Cabeça Preta. “E esse veneno é na água que é oferecida à comunidade, naquela que vai servir pra fazer a mamadeira do neném”, cita ela.
Um dado preocupante foi a quantidade de agrotóxico que é pulverizada na região - 73.750 litros de calda tóxica a cada pulverização aérea, ou seja, a cada vez que o avião joga nas plantações. Como as casas da região são próximas aos bananais, a situação é ainda mais problemática, porque o contato aumenta.
Durante a apresentação de quinta-feira (19/08), um dossiê do estudo foi entregue ontem a representantes do Ministério Público do Trabalho (MPT), presentes no auditório da Fafidam. Receberam o dossiê Geórgia Aragão, procuradora do Trabalho, e Bianca Leal, promotora de justiça de Limoeiro do Norte. “Vamos analisar o documento e constatar se há subsídios para uma ação civil pública”, declarou a representante do MPT.

Morte sob suspeita

Rigotto apresentou também um estudo feito com um agricultor de 29 anos, empregado da cultura do abacaxi. Em agosto de 2008, ele era considerado sadio. Três meses depois, morreu de uma doença hepática grave. Depois de o caso ter sido estudado por especialistas do Hospital Universitário Walter Cantídio (HUWC), foi constatado que a hepatite foi induzida por substâncias tóxicas.
Segundo a professora, que é médica do Trabalho, mestre em Educação e doutora em Sociologia, o Ceará é o quarto estado do País em número de estabelecimentos que usam agrotóxicos. Na pesquisa, foram entrevistados 496 trabalhadores do agronegócio, moradores de assentamentos e pequenos e médios produtores.

ENTENDA O CASO

Em 21 de abril, Zé Maria foi assassinado. Ele denunciou a desapropriação dos agricultores devido à implantação de grandes projetos de irrigação e o uso de agrotóxicos e a pulverização aérea na região.
Em maio, uma audiência pública em Limoeiro discutiu a pulverização aérea das lavouras da Chapada do Apodi. A lei municipal que proibia as pulverizações acabou revogada.
No dia 21 de julho, em protesto em Fortaleza, manifestantes pediam agilidade nas investigações do assassinato do ambientalista. Familiares e amigos participaram da passeata. Até o momento, não foram apontados os mandantes ou executores do crime.

Fonte: Guiame.com.br, por Thatiane de Souza

Roquel Rigotto Cordenadora da pesquisa do Nivel de Contaminação do Lençol Freático da Chapada do Apodi cede entrevista a Leila Leal

Raquel Rigotto - Especialista
"O uso seguro de agrotóxicos é um mito”, afirma especialista.
Por Leila Leal
Da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio/Fiocruz

Raquel Rigotto, professora do Departamento de Saúde Comunitária da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará (UFC), participou como palestrante do Seminário Nacional Contra o Uso de Agrotóxicos, realizado de 14 a 16 de setembro na Escola Nacional Florestan Fernandes – Guararema, São Paulo.
Coordenadora do Núcleo Tramas – Trabalho, Meio Ambiente e Saúde, pesquisa a relação entre agrotóxicos, ambiente e saúde no contexto da modernização agrícola no estado do Ceará. Nesta entrevista, ela defende o debate sobre uso de agrotóxicos como um tema estratégico e critica a ideia de que é possível utilizá-los de forma segura.

Qual a importância da discussão sobre agrotóxicos na atual conjuntura?

Os agrotóxicos não podem ser vistos apenas como um conjunto de substâncias químicas que pode causar riscos químicos à saúde. Eles precisam ser entendidos no contexto em que são utilizados, que envolve o processo de modernização agrícola conservadora em curso no Brasil, que tem a ver com a reestruturação produtiva no campo e a divisão internacional da produção e do trabalho, na qual cabe ao Brasil a produção de commodities de origem agrícola.
Esse contexto mais geral precisa ser considerado, assim como o entendimento do agronegócio não apenas em sua dimensão de latifúndios e monoculturas, mas também como um subsistema técnico e político que envolve o capital financeiro, a indústria química, a indústria de biotecnologia, sementes, fertilizantes, tratores, enfim, toda a indústria metal-mecânica. Esse contexto determina a vulnerabilidade das populações aos agrotóxicos. E que populações são essas? Temos em primeiro lugar os trabalhadores das empresas, mas também outros segmentos de trabalhadores que são influenciados por esse processo, como os pequenos produtores. No Ceará, os pequenos produtores foram colocados na condição de parceiros do agronegócio, o que na verdade é uma forma de terceirização.
O cultivo de fumo no Rio Grande do Sul também é um exemplo disso, são pequenos produtores que estão completamente subordinados às exigências da indústria fumageira. Além desses trabalhadores, são atingidos os moradores dessas regiões. No Mato Grosso, há municípios completamente cercados pelo agronegócio, que atinge até mesmo a reserva do povo Xingu: há rios que nascem fora de sua área e cuja água já entra no território indígena contaminada por agrotóxicos.
Há também a questão dos consumidores de alimentos, que têm uma ingestão diária aceitável de veneno. É o ‘veneno nosso de cada dia’ na alimentação. E, ainda, temos os trabalhadores que fabricam esses venenos. Há conflitos ambientais já identificados com esses trabalhadores de fábricas e as comunidades do entorno das fábricas, que são contaminadas. No nordeste, há uma fábrica de agrotóxicos que tem problemas sérios com 11 bairros na sua vizinhança por causa da sua contaminação atmosférica.
Além disso, a questão dos agrotóxicos é abrangente porque vai nos ajudar a resgatar a interrelação campo e cidade. Na medida em que o país se urbaniza, tendemos a pensar o Brasil como um país urbano – e há uma conotação simbólica de que isso nos aproxima mais do perfil dos países desenvolvidos e deixa para trás o ‘atraso do campo’ –, perdendo de vista que há uma dinâmica rural-urbana fundamental. Isso se expressa na produção de alimentos, na manutenção de riquezas naturais como a água, os microclimas, as chuvas (importantes para a cidade e ‘produzidas’ no campo) e também do ponto de vista da organização do campo. A concentração de terra, que expulsa pessoas das áreas rurais, faz com que as cidades fiquem cada vez mais ingovernáveis, por causa da migração e de todos os processos de degradação da qualidade de vida, como a violência, as drogas e outros. Enfim, faz com que toda a problemática ambiental urbana cresça.
Os agrotóxicos dão oportunidade para discutirmos tudo isso, e também para debatermos a ciência e seus limites hoje. Há substâncias químicas que nos mostram a insuficiência dos conhecimentos produzidos para que possamos ter alguma segurança ao lidar com elas. Um exemplo é o problema da exposição múltipla a vários ingredientes ativos, que ainda carece de respostas. São várias situações que nos colocam os limites da ciência e que também desafiam o Estado, porque não há como tratar os problemas dos agrotóxicos apenas como problema agrícola ou agrário, apenas como problema de saúde ou de meio ambiente. Esse é um problema que perpassa diversos setores das políticas públicas e exige uma atuação integrada, o que também é um exercício interessante de fazermos.

Na sua palestra no Seminário Nacional Contra o Uso de Agrotóxicos, foi destacada a importância de esclarecermos se estamos discutindo agrotóxicos e saúde ou agrotóxicos e doença. Qual a diferença entre as abordagens e o que isso significa para o debate?
Na cultura positivista que temos, existe uma certa tendência, tantos dos empresários como algumas vezes até da própria mídia, de procurar por agravos à saúde que pudessem ser atribuídos aos agrotóxicos, identificando e quantificando casos. É como se, para validar a questão dos agrotóxicos como um problema digno de atenção, relevante e urgente, dependêssemos disso, como se precisássemos ter geração e comprovação da doença para começarmos a pensar no assunto e nos problemas dos agrotóxicos.
O que estamos propondo é que o conhecimento sobre a nocividade dos agrotóxicos está dado a priori, porque ao defini-los como agrotóxicos estamos dizendo que são biocidas, que fulminam a vida, e ao atribuir a eles uma classificação toxicológica que vai de pouco tóxico a extremamente tóxico também estamos deixando isso claro.
Não há nenhuma classificação que seja ‘não-tóxico’. O mesmo acontece em termos da classificação ambiental, que se relaciona à resistência do solo, e aos estudos da biomagnificação, teratogênese, mutagênese e carcinogênese [referentes ao acúmulo de produtos tóxicos ao longo da cadeia alimentar e à possibilidade de anomalias e malformações fetais, mutações genéticas e desenvolvimento de câncer].
Então, os agrotóxicos já estão classificados nesse sentido. Não há que se perguntar se são veneno ou remédio, está claro que são um tipo de veneno. Esse potencial de dano está dado, e defendemos que não precisaríamos provar a existência do dano para postergar políticas públicas e iniciativas dos agentes econômicos para combater esse problema. Poderíamos, desde já, estar trabalhando na perspectiva de que existe um risco e um contexto de risco, partindo para o controle desses riscos.

Por que é difícil estabelecer relações entre exposição humana aos agrotóxicos e os danos à saúde?
Os efeitos crônicos causados pela exposição a agrotóxicos são muito diversificados. Cada composto e princípio ativo tem um perfil toxicológico e uma nocividade própria, e isso se relaciona a uma série de patologias que vão desde dermatoses até infertilidade, abortamento, malformações congênitas, cânceres, distúrbios imunológicos, endócrinos, problemas hepáticos e renais...
Mas todas essas patologias têm etiologias variadas, o que significa que podem ser causadas por outros elementos que não os agrotóxicos. E, como somos acostumados a fazer raciocínio muito linear entre doença e agente causal, isso fica muito complicado. É possível, por exemplo, quando uma empresa quer se negar a assumir suas responsabilidades, que ela diga que o trabalhador teve uma leucemia porque a família tem carga genética para isso.
Do ponto de vista epidemiológico, os estudos têm evidenciado essas correlações, demonstrando que populações mais expostas, comparando com não expostas, têm carga maior de doenças. Mas gerar essa informação é difícil. No caso do Ceará, o instituto que recebe a maioria dos cânceres hematológicos não tem na sua ficha de investigação o dado sobre a ocupação do trabalhador. Isso é um exemplo da dificuldade que temos para fazer um perfil que relacione a ocupação e, por consequência, o contato com agrotóxicos, a uma determinada doença.

Existe um discurso muito difundido de que os agrotóxicos seriam uma necessidade para garantir a produção de alimentos, e de que sem eles ‘o mundo morreria de fome’. A partir daí, a proposta é desenvolver formas seguras de lidar com os agrotóxicos. Qual a sua opinião sobre isso? O ‘uso seguro’ é possível?
A ‘Revolução Verde’, que é o momento que marca na história da humanidade a questão dos agrotóxicos, aconteceu há cerca de 50 anos. A humanidade tem cerca de 8 mil anos de história conhecida na agricultura, e nós vivemos e nos alimentamos por todos esses milênios sem os agrotóxicos e transgênicos (o que é um outro argumento muito comum agora, de que, de repente, não podemos mais viver sem os transgênicos).
É claro, há relatos de que desde os povos mais antigos havia uso de algumas substâncias para controle de pragas e de processos de cultivo, a humanidade tem um acúmulo nesse sentido. Estou me referindo a esse uso massivo de agrotóxicos, estimulado pela indústria química, que pode fazer propaganda na televisão, ter isenção de impostos como o ICMS, IPI, Cofins, PIS/Pasep.
Então, a primeira coisa importante de tomarmos consciência é que já vivemos muitos anos como humanidade sem os venenos, e que depois do uso de venenos a produtividade da agricultura certamente elevou-se, mas a segurança e a soberania alimentar da humanidade não. Continuamos tendo quase um bilhão de pessoas desnutridas ou subnutridas no mundo, então está clara que essa não é uma crise que seja explicada pela subprodução, mas sim pela má distribuição. Isso se deve ao fato de que aquilo que o agronegócio e a modernização agrícola produzem não são alimentos, mas sim commodities, o que é muito diferente. Há todo um aparato jurídico, institucional, legal, para regular o uso de agrotóxicos e o que vemos é que esse aparato não tem sido eficaz. O que se vê é que, desde o processo de normatização, houve interferência.

Temos documentos dos produtores de agrotóxicos em que afirmam a sua estratégia de interferir no processo regulatório, fazer lobby, interferir na capacitação dos servidores públicos e dos operadores de direito que lidam com essa área. Então, desde o início da regulação, há problemas. Quantos desses estatutos que estão previstos na legislação funcionam efetivamente?
O receituário agronômico não funciona e há pouquísmos laboratórios, no país inteiro, que são capazes de fazer análise da água e da contaminação humana por agrotóxicos.

Estamos agora no processo de revisão da Portaria 518, que diz respeito à potabilidade da água para consumo humano, e um dos grandes dramas é esse: podemos colocar lá todos os 450 ingredientes ativos de veneno registrados que temos no Brasil, mas onde vão ser analisados para cada uma das prefeituras de cada um dos quase 6 mil municípios do nosso país?
Não temos essa capacidade instalada.
Fazemos o licenciamento ambiental desse empreendimento, mas não temos condições de monitorar se as condicionantes e requisitos colocados no licenciamento são cumpridos, porque não há fiscal, não tem diária, não tem aparelho e laboratório. Há também uma série de argumentos que foram trazidos pelo Censo Agropecuário, através do qual podemos constatar que há mais de 5 milhões de estabelecimentos com mais de 16 milhões de trabalhadores rurais dos quais um número significativo é de crianças, com escolaridade considerada baixa. Como podemos pensar em uso seguro numa vastidão dessa? A assistência técnica é precária. O Censo mostra que as propriedades que mais receberam assistência são aquelas acima de 200 hectares, ou seja, há milhões de propriedades de pequenos produtores que estão à revelia de assistência técnica. Como podemos imaginar que o uso seguro acontecerá assim? Qualquer pessoa pode chegar a uma loja e comprar o veneno que o balconista estiver interessado em vender e usar do jeito que o balconista ensinar. É muito difícil pensar em uso seguro assim.

Você falou em sua palestra que há um despreparo dos profissionais de saúde e do próprio SUS para lidar com essa questão. Como isso acontece?
Do ponto de vista da Política Nacional de Saúde do Trabalhador, temos previstas ações que vão desde a atenção básica – que seria principalmente através da Estratégica de Saúde da Família – até os Centros de Referência em Saúde do Trabalhador (Cerests), com ações hierarquizadas.
A proposta é muito interessante. Mas o que vemos, especialmente no Ceará, é que a forma como o SUS chega aos territórios que sofreram profundas transformações pelos processos de mordenização agrícola é insuficiente. Os profissionais da atenção primária estão completamente absorvidos pela assistência médica, têm pouco tempo de fazer as outras ações pensadas para sua atuação e conhecem muito pouco a dinâmica viva dos territórios em que as unidades de saúde estão inseridas.
Então, têm poucas notícias sobre a instalação de empresas de agronegócio, não sabem se há trabalhadores migrantes que vêm para atender demanda de força de trabalho sazonal, para, por exemplo, a colheita do melão (que é um caso muito comum), que estão sem suas famílias e que isso causa a expansão de uma rede de prostituição — o que gera outros problemas, como gravidez indesejada na adolescência, uso de drogas, doenças sexualmente transmissíveis, inclusive Aids. Então, para o sistema de saúde que está ali absorvido em diagnosticar e tratar doenças – embora estejamos tentando superar esse paradigma, isso nem sempre é possível –, é difícil enxergar essas dinâmicas.
A resposta às novas necessidades de saúde tem sido insuficiente, é isso que mostrou o estudo realizado pela Vanira Mattos na UFC. Nos Cerests, há experiências ricas pelo Brasil afora, mas estou falando de um olhar local do Ceará. Ainda não conseguimos, ao longo dos três anos da nossa pesquisa, envolvê-los no atendimento a esses trabalhadores, nem desenvolver conjuntamente as ações de vigilância sanitária, epidemiológica, ambiental e em saúde do trabalhador, que ainda não estão acontecendo adequadamente.

segunda-feira

MILHO AOS POMBOS

Enquanto esses comandantes loucos ficam por aí
queimando pestanas organizando suas batalhas
Os guerrilheiros nas alcovas preparando na surdina suas
mortalhas
A cada conflito mais escombros
Isso tudo acontecendo e eu aqui na praça
dando milho aos pombos
Entra ano, sai ano, cada vez fica mais difícil
o pão, o arroz, o feijão, o aluguel
Uma nova corrida do ouro
o homem comprando da sociedade o seu papel
Quando mais alto o cargo maior o rombo
Eu dando milho aos pombos no frio desse chão
Eu sei tanto quanto eles se bater asas mais alto
voam como gavião
Tiro ao homem tiro ao pombo
Quanto mais alto voam maior o tombo
Eu já nem sei o que mata mais
Se o trânsito, a fome ou a guerra
Se chega alguém querendo consertar
vem logo a ordem de cima
Pega esse idiota e enterra
Todo mundo querendo descobrir seu ovo de Colombo.