Por  Camila Nóbrega – Comunicação do III Ena, com informações de Anna Beatriz Anjos- Revista Forum e Mariana Branco – Agência Brasil
Pesquisa inédita coordenada pela Universidade Federal do Ceará 
(UFC), apresentada no último dia 17, durante o III Encontro Nacional de 
Agroecologia (III Ena)  mostra que as expectativas para o futuro não são
 nada animadoras
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| Foto: Francisco Valdean | 
A segunda fase do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) prevê 
vultosos recursos – R$ 6,9 bilhões – para a expansão dos perímetros 
irrigados no semiárido. A princípio, a notícia foi muito comemorada, já 
que significa dobrar a área existente hoje. Atualmente, são 193.137 
hectares irrigados no semiárido e, com os novos projetos, novos 200 mil 
hectares estão previstos. Uma pesquisa inédita coordenada pela 
Universidade Federal do Ceará (UFC) mostra, porém, que as expectativas 
para o futuro não são nada animadoras. Em outras regiões brasileiras, as
 extensas áreas irrigadas artificialmente são responsáveis por violações
 de direitos humanos e expansão do agronegócio. As consequências mais 
graves são a expulsão dos pequenos agricultores e contaminação por 
agrotóxicos.
Exames médicos feitos em 545 trabalhadores de regiões próximas a 
cinco perímetros – dois no Rio Grande do Norte e três no Ceará -, 
realizados ao longo de um ano e meio, apontam que 30,3% apresentavam 
intoxicação aguda. Mais: a prevalência de câncer é 38% maior entre os 
agricultores que moram em perímetros irrigados, em decorrência da 
chegada de grandes empresas do agronegócio, com uso intensivo de 
agrotóxicos.
O agronegócio não tem respeito 
“O agronegócio não tem respeito algum pelo semiárido. Todos os 
pequenos agricultores sabem que só se colhe um abacaxi por ano no pé. Há
 empresas que colhem até três. Eles veem a terra como substrato para 
colocarem toda química necessária para elevar a produtividade. Nem um 
respeito aos trabalhadores, que estão adoecendo, morrendo. A situação é 
muito grave e será pior se o projeto continuar”, disse a médica Raquel 
Rigotto, professora da Universidade Federal do Ceará (UFCE), que 
concedeu entrevista durante o III Encontro Nacional de Agroecologia, em 
Juazeiro, na Bahia.
O dossiê “Perímetros Irrigados: 40 anos de violação de direitos no 
semiárido” (http://dossieperimetrosirrigados.net/), é resultado do 
trabalho de 23 pesquisadores de diversas áreas, entre elas Geografia, 
História, Direito, Meio Ambiente e Saúde.  Além da UFC, participaram do 
estudo pesquisadores da Universidade Estadual do Ceará e da Universidade
 Estadual Vale do Acaraú, também naquele estado. Contribuíram ainda a 
Universidade Federal do Rio Grande do Norte e a Universidade do Estado 
do Rio Grande do Norte.
“Os perímetros irrigados vêm evoluindo no sentido claro de ser um 
espaço geopolítico do capital no semiárido. Se, em um pedaço pequeno de 
terra, como o Jaguaribe-Apodi, a gente já vê um estrago enorme, imagina 
em 400 mil hectares?”, questionou Rigotto.
De acordo com a professora, que é também representante da Rede 
Brasileira de Justiça Ambiental e da Associação Brasileira de Saúde 
Coletiva (Abrasco), o estudo partiu de uma demanda do Movimento 21, que 
reúne movimentos sociais do campo, como Cáritas Diocesana de Limoeiro do
 Norte, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e Comissão 
Pastoral da Terra (CPT).
Violação de direitos
Os camponeses denunciam graves violações de direitos humanos nos 
territórios que já convivem com esta tecnologia e afirmam que as áreas 
de perímetro irrigado facilitam a ocupação de terras por parte de 
empresas nacionais e transnacionais do agronegócio que, a partir da 
exploração dos recursos naturais e da mão de obra local, cultivam commodities para
 exportação. Este modelo de agricultura vai na contramão das práticas 
agroecológicas adotadas pelos pequenos agricultores da região, o que 
significa diversidade de cultivos, respeito ao ciclo natural de 
produção, trabalho digno e a administração de pragas sem uso de 
agrotóxicos, entre outras características.
A conclusão do estudo, que tem como bases casos sobre os perímetros 
Baixo Acaraú, Baixo-Açú, Jaguaribe-Apodi, Santa Cruz do Apodi e 
Tabuleiro de Russas, é que há violação de sete direitos das comunidades:
 direito à terra, à água, ao meio ambiente, ao trabalho digno, à saúde, à
 cultura e à participação política.
De 24 amostras de água coletadas de poços profundos para o dossiê de 
Perímetros Irrigados, todas estavam contaminadas. Em uma delas, foi 
detectada contaminação por dez princípios ativos diferentes. Os exames 
médicos feitos em moradores levaram em conta os critérios da Organização
 Mundial da Saúde (OMS), ou seja, se o paciente apresentar três ou mais 
sintomas 72 horas após a exposição ao agente químico, a intoxicação é 
considerada provável.
O mais preocupante, segundo a professora Raquel Rigotto, é que 56,5% 
desses trabalhadores não procuravam assistência médica. Eles se 
acostumam a sentir sintomas como náuseas, dor de cabeça, pruridos na 
pele. Aos poucos, forma-se uma intoxicação crônica que pode levar à 
morte. Uma vitória recente  do movimento local foi exatamente o 
reconhecimento de uma morte por intoxicação por agrotóxicos na região de
 Limoeiro do Norte, no Ceará. A empresa Belmonte pagará R$ 330 mil de 
indenização à família de um trabalhador.
Além da ameaça à saúde, a professora critica outras consequências da 
implantação de perímetros irrigados, como a desapropriação de terras 
para a construção de algumas dessas estruturas.
O problema é de todo mundo, não só de Apodi
Francisco Edilson Neto, líder do Sindicato dos Trabalhadores e 
Trabalhadoras Rurais de Apodi, é um dos agricultores ameaçados pelos 
perímetros irrigados. A Chapada do Apodi, região em que vive, já foi 
ocupada pelas grandes corporações em seu lado cearense – ela se localiza
 na divisa do estado com o Rio Grande do Norte. Desde quando foi 
inaugurado o PI Jaguaribe-Apodi, diversas famílias agricultoras perderam
 seus sítios para empresas como Fruta Cor, Bananas do Nordeste S/A e Del
 Monte Fresh Produce. Agora, um novo sistema de irrigação (PI Santa Cruz
 do Apodi) está sendo construído, dessa vez na parte 
norte-rio-grandense. “Esse projeto vai expulsar 6 mil pessoas de suas 
terras”, afirmou Neto.
Em sua fala, ele destacou ainda a importância de se analisar e 
comparar diversos casos semelhantes, como fizeram os autores da 
pesquisa. “É muito interessante que a gente junte esses conflitos. O 
problema é de todo mundo, não só de Apodi. Nós estamos perdendo os 
territórios. Se a gente não lutar, não vamos ter mais nenhum camponês no
 próximo ENA”, declarou.
Quando é o caso de desapropriar
A questão da desapropriação é vivenciada no momento por habitantes de
 comunidades próximas ao perímetro de Santa Cruz do Apodi, previsto para
 ser implantado na porção potiguar da Chapada do Apodi, na divisa entre o
 Rio Grande do Norte e o Ceará. Já foram publicados decretos anunciando a
 desapropriação de moradores. A estimativa do presidente do Sindicato 
dos Trabalhadores Rurais de Apodi, Francisco Edilson Neto, é que cerca 
de 600 famílias serão desalojadas de suas terras, de um total de 2,6 mil
 famílias que vivem na região.
As comunidades têm lutado contra a construção do perímetro, iniciada 
em 2013. Agricultores e representantes do Movimento dos Trabalhadores 
Sem Terra (MST) ocuparam o local onde acontecem as obras. O Ministério 
Público Federal analisa o caso.
“A barragem de Santa Cruz (de onde virá a água para o perímetro) não 
tem água para irrigar 10 mil hectares (como está previsto no projeto). 
Metade (da água da barragem) está comprometida com esse projeto. Além 
das desapropriações, haverá diminuição na quantidade de água, 
contaminação. Por que não entregar essa água à agricultura familiar?”, 
questiona ele.
Raquel Rigotto acrescenta que, em comunidades nas quais os moradores 
não foram desapropriados e tentaram conviver com os perímetros, houve 
problemas de elevação na conta de energia. “Funciona como em um 
condomínio, em que as despesas são rateadas. Uma agricultora relatou uma
 conta de R$ 1,2 mil”.
“O interessante foi que viemos com os seis direitos violados e eles 
próprios identificaram o sétimo direito, à participação política [por 
não estarem sendo ouvidos quanto à sua opinião sobre os perímetros]”, 
conta Raquel.
O III Ena acontece em Juazeiro (BA), de 16 a 19 de maio.