quinta-feira

Acampamento do Rio Grande Do Norte é invadido pela polícia


No início da tarde de hoje (22/05), por volta das 13h, no Rio Grande do Norte, o Acampamento Luis Carlos Prestes do Movimento das/os Trabalhadoras/es Rurais Sem Terra (MST) é invadido e destruído pela polícia civil de São Gonçalo do Amarante e leva dois militantes presos.
O acampamento foi ocupado há oito dias (15/05), por cerca de 50 famílias de trabalhadoras/es rurais da região de São Gonçalo, nas mediações da fazenda Itapetinga.
A polícia alegava que os militantes portavam armas de fogo, mas não encontraram nada e, mesmo assim, foram detidos. O movimento está sendo vítima de um processo de ofensiva violenta no estado, há menos um mês dois companheiros foram assassinados e agora o acampamento recém formado é invadido e totalmente destruídos, levando as famílias ao desespero.

Juridicamente os fatos estão sendo apurados pela assessoria jurídica e internamente o movimento respaldará com luta!
Com informações de Jailma Lopes

III ENA envia moção de apoio as famílias e comunidades da chapada do Apodi.

MOÇÃO DE APOIO
DO III ENCONTRO NACIONAL DE AGROECOLOGIA
ÁS FAMÍLIAS E COMUNIDADES DA CHAPADA DO APODI
 
Foto: Site do ENA

Reunidos no III Encontro Nacional de Agroecologia entre os dias 16 a 19 de maio de 2014, às margens do rio São Francisco, na cidade de Juazeiro-BA, ciente das angustias e incertezas de mulheres e homens dos assentamentos e das comunidades atingidas pelo projeto do perímetro irrigado Santa Cruz do Apodi no Rio Grande do Norte  e das atrocidades que o perímetro irrigado Jaguaribe-Apodi tem causado às famílias da Chapada  do lado do Ceará, projetos estes sob a responsabilidade do Governo Federal através do Departamento Nacional de Obras Contra a Seca-DNOCS, manifestamos nossa solidariedade e apoio às lutas de resistência e defesa da integridade do território, como também se solidariza com as entidades de apoio,  em especial  o Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Apodi-RN.
O III ENA denuncia o atual modelo capitalista que avança com grandes projetos de agronegócio, nos território das comunidades camponesas, devastando a natureza e colocando em risco a vida de mulheres e homens que vivem no campo.

 Os participantes do III Encontro Nacional de Agroecologia-ENA




Juazeiro-BA, 19 de maio de 2014.

quarta-feira

Ato em defesa da agroecologia fecha ponte entre Juazeiro e Petrolina.

Texto: Gilka Resende, Eduardo Sá, Camila Nobrega 
Colaboração: Moisés Matias

O poeta e agricultor Geraldo Gomes, de Minas Gerais, entoou o canto que fala direto ao coração de quem ama a vida: “Eu moro no meio do mato…”. E a música sanfonada desenhava a convivência com as flores, o canto dos pássaros, o som das águas, com as cores e os cheiros da vida ecológica. O hino foi cantado na abertura de uma das maiores manifestações agroecológicas realizadas no Brasil, que marcou o último dia do III Encontro Nacional de Agroecologia (ENA), na segunda-feira (19).
Caminhada saiu da Univasf, local do III ENA, em direção à ponte que liga Juazeiro a Petrolina | Foto: Daniel Leon
Caminhada saiu da Univasf, local do III ENA, em direção à ponte que liga Juazeiro a Petrolina | Foto: Daniel Leon
Uma caminhada de cerca de dois quilômetros, saindo do campus da Univasf, em Juazeiro, até a ponte Presidente Dutra, que liga a cidade baiana a Petrolina, em Pernambuco. À frente estavam pelo menos 2 mil pessoas, entre agricultoras e agricultores da cidade e do campo, ribeirinhos, povos e populações tradicionais de todo país, ocupando a via de 800 metros. Em defesa da agroecologia, balançaram seus chapéus de palha, símbolo da agricultura camponesa, e saudaram o rio São Francisco.
Por cerca de uma hora os manifestantes fizeram a interdição da via, sob o sol forte e nuvens graúdas. A beleza das águas do Velho Chico, que resiste à destruição do agronegócio, encantava os presentes, que fizeram questão de alertar a população ao microfone: “esse rio não aguenta mais tanto agrotóxico das transnacionais”. O vento tremulava bandeiras vermelhas, feministas e muitas outras em defesa da agroecologia e, como dizia uma das canções do protesto, “anunciava esperanças”.
Ninguém melhor para animar o ato sobre a geração de um novo modelo de agricultura do que uma mulher grávida. Helen Santa Rosa, comunicadora popular de Minas Gerais, puxava a cantoria no carro de som com uma barriga de sete meses. “Agroecologia é vida! Agronegócio é morte!”, repetia acompanhada de um coro. “Irá chegar um novo dia, um novo céu, uma nova terra e um novo mar. E nesse dia o oprimido na sua voz a liberdade irá cantar. E nesse dia o forte, o grande e o prepotente irá chorar até o ranger dos dentes”, cantava ela, que integra o  Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas (CAA/NM).
Painel foi pendurado na ponte com o objetivo de dialogar com a sociedade sobre a agroecologia | Foto: Daniel Leon
Painel foi pendurado na ponte com o objetivo de dialogar com a sociedade sobre a agroecologia | Foto: Daniel Leon
Já na subida da ponte um painel medindo oito metros de altura por 12 de largura denunciou: “Agrotóxicos e transgênicos matam. Apoio a agroecologia por uma vida saudável no campo e na cidade”. O grande tecido passou por cima das cabeças que constroem na prática a agroecologia, antes se ser pendurada num dos lados ponte, com o objetivo de informar a população local sobre os riscos do atual modelo de desenvolvimento do país.
Miraci da Silva, de 61 anos, assim como muitos, não escondeu a emoção: “Essa é uma causa que a gente abraça pela libertação de um povo explorado por um sistema político dominante. Nós trabalhadores rurais precisamos lutar, precisamos nos unir contra um modelo de agricultura que só visa o lucro”, afirmou a agricultora do Mato Grosso.
Diálogo da agroecologia com a sociedade
O III ENA defende um modelo de cultivo de alimentos sem venenos e de respeito à natureza e às culturas, além da reforma agrária. Coincidentemente, um grafite bem no pé da ponte sob o rio São Francisco entrava em sintonia com o protesto. Nele, o desenho de um trabalhador à frente da bandeira do país. “O povo brasileiro ainda será respeitado e valorizado. Na bandeira será rescrito “ordem, progresso e respeito”, criticava uma frase em spray.
O trânsito ficou parado por quase uma hora e as reações foram diversas. A população se dividia entre reclamações e buzinaços em apoio. Os moradores de Juazeiro pararam para assistir a passeata. Em certo momento, crianças se amontoaram na porta de uma escola infantil. Riam, mandavam beijos, aplaudiam e abanavam as mãos para os manifestantes.
Ana Maria Pinheiro aplaudia e dançava, observando a marcha. Ela não sabia o que significava a palavra agroecologia, mas viu uma faixa com os dizeres “sem veneno” entendeu que o assunto. “Para mim esse movimento é dez. A carne não tem mais sabor, a galinha também não. As verduras parecem iguais e já quase não temos peixes. Tem química em todo lugar”, expôs.
Indígenas também defendem a agroecologia
A população indígena também fortaleceu o grito. Indígenas Kraho cantavam em sua língua originária a satisfação de estarem no III ENA. “Essa música diz que nós indígenas estamos como pequenas emas correndo, todas felizes”, disse Jecilda Crukoy, do Tocantins. Ela e outros integrantes de povos tradicionais relataram que essa foi uma oportunidade de saber o que “seus parentes passam em outros cantos do Brasil”.
“Viajamos três dias e três noites até Juazeiro. Estou conhecendo mais da agroecologia. Eu converso com outros indígenas, outras aldeias. É bom saber o que eles passam e se unir”, falou Bepnhoti Atydjare, da aldeia Floresta Protegida, no Pará. Ele conta que lá, por não conseguirem mais fazer seus cultivos, as comidas que chegam da cidade “trazem problema de barriga para as crianças”.
De acordo com Leosmar Terena, do Mato Grosso do Sul, os povos tradicionais estão denunciando o modelo de desenvolvimento predominante no Brasil. Para ele, a agroecologia é algo muito mais amplo que a dimensão econômica, ambiental e social, um modo de vida cujo sistema fortalece a relação do ser humano com o passado e sua relação com o futuro, se preocupando com as próximas gerações.
“Reforçamos a agroecologia como a única saída para a sociedade, acima de tudo um modo de vida. A agroecologia indígena é pensada no sentido da sustentabilidade em todas as suas dimensões, não podemos pensá-la sem a inclusão dos jovens, crianças, mulheres, e lideranças. A agroecologia é o fortalecimento de valores tradicionais, de humanidade e solidariedade”, explicou.
Outras manifestações se unem na ponte
Ato na ponte ganhou força com a chegada das mulheres | Foto: Fábio Caffé
Ato na ponte ganhou força com a chegada das mulheres | Foto: Fábio Caffé
Como afluentes outras três manifestações em defesa da agroecologia e contra o agronegócio, realizadas simultaneamente no início da manhã, se somaram à da ponte sob o rio São Francisco, por volta das 10h. Um dos atos reuniu cerca de 300 mulheres no escritório da Embrapa Semiárido em Petrolina. Elas reivindicaram que a empresa de pesquisa trabalhe dentro de uma perspectiva de produção de alimentos saudáveis e diversificados e também denunciaram a falta de políticas públicas voltadas para as mulheres camponesas.
De acordo com Noemi Krefta, do Movimento das Mulheres Camponesas (MMC), a sociedade precisa enxergar a importância feminina e a construção da agroecologia sem a participação efetiva delas pode ser uma produção orgânica, mas não será completa e agroecológica. “Falamos sobre a agricultura agroecológica camponesa e feminista que defendemos e também fazemos a denúncia de que nós não aceitamos alimentos geneticamente modificados. É uma ilusão dizer que precisa fazer biofortificação através da transgenia, isso não vai contemplar as nossas necessidades. Entendemos que a natureza tem de tudo para nos oferecer uma nutrição completa”, disse Noemi.
Manifestantes denunciaram os riscos dos transgênicos | Foto: Daniel Leon
Manifestantes denunciaram os riscos dos transgênicos | Foto: Daniel Leon
Também houve manifestação em frente à Monsanto, em Petrolina, uma das transnacionais responsáveis pela disseminação dos transgênicos e agrotóxicos. O terceiro ato ocorreu no Mercado do Produtor de Juazeiro, onde uma grande bola inflável alertando para o perigo dos mosquitos transgênicos da dengue chamava atenção. Nela, a letra T dentro de um triângulo amarelo, símbolo dos organismos geneticamente modificados. Um panfleto explicativo foi distribuído: “não há testes toxicológicos que comprovem não haver riscos no caso de picadas de fêmeas do mosquito modificado em animais ou humanos”, destacou um trecho.
Fonte: Site do III ENA.

Como o povo do semiárido detonou a indústria da seca

Fábio Caffe

Najar Tubino
Juazeiro (BA) - Esta é uma história de como a zona rural do país, no caso específico da caatinga, onde as pessoas se organizaram e resolveram tomar o destino de suas vidas na prática, defendendo seus territórios, buscando acesso à água, protegendo suas sementes e, hoje em dia, dando lições de como é possível conviver com a aridez da natureza. Só para ilustrar vou contar um caso do agricultor Golinha, de Apodi (RN). Ele esta no encontro de agroecologia trocando e vendendo sementes, mudas e chás medicinais. As variedades crioulas de milha, contou ele, são transmitidas na sua família há quatro gerações. Neste mês de maio a semente que eles chamam de “vida longa” completou 302 anos. O pai dele morreu com 99, o avô 99 e o bisavô com 104. As outras duas variedades são “ligeiro”, um milho precoce e o “Zé moreno”, que era amigo do pai dele, já falecido, mas virou semente.

As mudanças no semiárido, na estrutura política e econômica, iniciaram há muitas décadas. Fazer cisterna era comum há mais de 70 anos. Quem relata esta história é o coordenador da ASABRASIL, Naidison Quintela Batista, de 74 anos, formado em teologia e pedagogia em Roma, baiano, e um dos responsáveis por uma rede de organizações sociais – são 700 -, que abrange nove estados do nordeste e o norte de Minas Gerais – o bioma caatinga, com suas variantes. Nos primórdios todos trabalhavam em torno do Movimento de Organizações Comunitárias (MOC), que já mantinha práticas como programas de trocas de sementes, de animais e fundos rotativos, que o agricultor pagava em produto ou em dinheiro.

Começando a interferir na política

As chamadas comissões de trabalho, que organizavam as frentes na época das secas, reunindo sertanejos que construíam açudes, estradas e outras obras de infraestrutura. A presença das organizações sociais tinha por objetivo travar a manipulação dos prefeitos, que carreavam os recursos para os ricos dos municípios do interior e para os parentes. Então, nas matrículas das frentes aparecia a mulher do prefeito, o cunhado, os tios e assim vai.

A mudança de rumo ocorreu em 1999, depois de mais uma seca. Foi criada a Articulação no Semiárido Brasileiro, a ASA, baseada numa carta de princípios, que ainda é a mesma, e onde as organizações para participar precisavam aderir ao documento. O X da questão era o seguinte: não bastavam produzir dossiês com reivindicações e propostas, era necessário executar, respeitando sempre as características de cada organização, que por sua vez, refletia as características de cada região. O foco central, cada vez mais, passou a ser a convivência com o semiárido.

Ação de impacto significativa

Os representantes das várias organizações decidiram definir uma ação de impacto significativa, que envolvesse a maioria das entidades. Assim nasceu o Programa Um Milhão de Cisternas, com a sigla P1MC. Cisternas de consumo humano, com capacidade de armazenar 16 mil litros, e suprir uma família com cinco pessoas, por nove, 10 meses. Entretanto, o fundamental estava na maneira como construir as cisternas e como escolher as famílias que participariam do programa. Ou seja, não se trata de uma iniciativa de construção, onde uma empresa, ou um grupo de pedreiros é contratado para fazer a obra. É uma atividade de mobilização, onde as comunidades discutem o problema, elegem uma família e depois constroem a cisterna, comprando produtos locais, para movimentar a economia da localidade, da comunidade. Nada de empresas.

A ASA e seus ativistas começaram a entrar na casa das pessoas. Discutiam, além da construção da cisterna, a maneira como eles armazenavam água, como consumiam, como cultivavam a terra e muitas outras coisas. No final, definiram sete tecnologias de construção de cisternas de consumo humano. O primeiro apoio do governo federal veio na época do Ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho. Uma “experiência” para “testar” 500 cisternas. Muito mais importante foi a definição do processo de construção, que abrange uma metodologia completa, desde os componentes usados, os custos, a mobilização das famílias e as compras locais. A partir daí, conseguiram o apoio da Agência Nacional de Águas em 2001, para construção de 12.300 cisternas, somadas as outras 500, dava um total de 12.800 cisterna. Foi o pontapé inicial.

A transição política em 2003

A grande preocupação da ASA desde o início: como fazer o controle social das cisternas. Na metodologia ficou aprovado o seguinte, válido até hoje: cada cisterna tem um número de registro, com os dados de localização geográfica. Na hora da família receber a cisterna, tiram uma foto ao lado do registro, a família assina um termo de recebimento e um material educativo. O governo federal assumiu a método, já virou uma lei federal. Significa, que ao repassar recursos aos estados e municípios, todos tem que cumprir com as exigências expostas na lei. Conclusão: se tornou uma política pública, criada pelos sertanejos e com a operacionalização e organização da ASA e sua rede de entidades.

Hoje, as negociações para construção de cisternas são formalizadas via contrato, através de licitação pública e das organizações da sociedade civil. Os coordenadores da ASA aproveitaram a posse de Lula em 2003, para colocar projetos em várias áreas. Onde houvesse uma brecha, um conhecido, eles entravam com suas propostas. Contaram com o apoio do Frei Beto e de Odew Grawej. Assim fecharam o primeiro convênio com o governo federal em julho de 2003. Dez anos depois, o primeiro contrato com a Petrobras, que está encerrando neste mês de maio, com a construção de 20 mil tecnologias de Segunda Água, no valor de R$200 milhões. São as chamadas cisternas de produção, a água que será usada na criação de animais e para plantio. Podem armazenar desde 52 mil litros, onde a água é captada de um calçadão de cimento, com declividade, até a cisterna de enxurrada, onde a água é captada de uma encosta, uma elevação, e são colocados filtros para decantar, antes do recolhimento. O barrreiro trincheira, onde cavam poços com mais de três metros de profundidade, capta até 300 mil litros, o tanque de pedra, que é uma formação característica em várias regiões da caatinga – eles aumentar as barreiras de pedra com cimento, formando uma bacia, quando chove a água fica represada, acumulando 700, 800 a um milhão de litros. Por último: a barragem subterrânea construída nos leitos dos rios e riachos secos, onde eles cavam numa garganta, um estreitamento, jogam uma loca, tapam novamente com terra e quando chove a água bate na lona e fica armazenada no subsolo.

Novecentas mil cisternas e 4,5 milhões de pessoas

Contando as cisternas construídas pela rede da ASA – 537 mil -, mais os governos estaduais e consórcios municipais o número chega a 900 mil, com 4,5 milhões de pessoas beneficiadas em todo o semiárido. Além de mais 500 mil pessoas que já tem acesso à água de produção. No final de 2013, a ASA assinou outro contato com o BNDES, também de R$200 milhões, para construção de oito mil tecnologias diretamente com o banco, e outras 12 mil, por intermédio da Fundação Banco do Brasil, com recursos repassados também pelo BNDES. O contrato acaba no final de 2014. Com o Ministério do Desenvolvimento Social o contrato com a ASA envolve outras 20 mil tecnologias e mais R$ 200 milhões – nove mil já foram entregues. O contrato se estende até maio de 2015. E mais: outro contrato com o MDS para construção de 34 mil cisternas de consumo humano. E, está em discussão, um programa para construção de cinco mil cisternas para escolas rurais. Quando tem seca, não tem água, não tem aula.

A ASA virou uma OCIP, uma organização de interesse público, para poder operacionalizar os contratos com o governo federal e seus afiliados. Ela só concorre em licitação nacional, para não concorrer com as entidades estaduais. Quando ganha a licitação, torna a realizar uma licitação para contratar as organizações sociais, que executarão as obras. São 110 organizações envolvidas com a execução do P1MC e do programa Uma Terra Duas Águas. No total o número cresce para 160, porque algumas trabalham com os dois programas. Cada equipe de técnicos tem um coordenador, um gerente financeiro, um auxiliar e quatro técnicos de campo. São 1.120 técnicos envolvidos nos programas.

O Candeeiro para alumiar o sertão

O trabalho da ASA e suas 700 organizações sociais envolve além das cisternas, um grande intercâmbio de informações e de experiências entre agricultores e agricultoras, o incentivo e a organização de bancos e casas de sementes crioulas, enfim, da prática econômica, social cultural da vida do sertanejo. Providência que gerou a criação de um veículo popular, que é o Candeeiro, chamado boletim de experiências, onde as famílias contam a sua história, e relatam a sua experiência no semiárido. Já foram elaborados dois mil exemplares – é uma página impressa, com tiragem de mil exemplares.

Para encerrar. Chega o prefeito na comunidade com o carro pipa. Manda o pessoa fazer a fila. Chega o líder da comunidade diz que ali não tem nada de fila. Dá o nome das famílias, cujas cisternas serão abastecidas. E quando acabar a água, se não chover, voltarão a procurar a prefeitura. É óbvio, que esta ainda não é a realidade de todo o semiárido, sem contar as cidades do interior, onde as populações ainda estão sujeitas ao poder político e econômico de famílias ou de grupos, que não tem o menor escrúpulo em pisotear na cabeça dos sertanejos.
Fonte: Site da Carta Maior

Dossiê mostra que perímetros irrigados violam direitos de comunidades rurais.

Por  Camila Nóbrega – Comunicação do III Ena, com informações de Anna Beatriz Anjos- Revista Forum e Mariana Branco – Agência Brasil

Pesquisa inédita coordenada pela Universidade Federal do Ceará (UFC), apresentada no último dia 17, durante o III Encontro Nacional de Agroecologia (III Ena)  mostra que as expectativas para o futuro não são nada animadoras
Foto: Francisco Valdean
Foto: Francisco Valdean
A segunda fase do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) prevê vultosos recursos – R$ 6,9 bilhões – para a expansão dos perímetros irrigados no semiárido. A princípio, a notícia foi muito comemorada, já que significa dobrar a área existente hoje. Atualmente, são 193.137 hectares irrigados no semiárido e, com os novos projetos, novos 200 mil hectares estão previstos. Uma pesquisa inédita coordenada pela Universidade Federal do Ceará (UFC) mostra, porém, que as expectativas para o futuro não são nada animadoras. Em outras regiões brasileiras, as extensas áreas irrigadas artificialmente são responsáveis por violações de direitos humanos e expansão do agronegócio. As consequências mais graves são a expulsão dos pequenos agricultores e contaminação por agrotóxicos.
Exames médicos feitos em 545 trabalhadores de regiões próximas a cinco perímetros – dois no Rio Grande do Norte e três no Ceará -, realizados ao longo de um ano e meio, apontam que 30,3% apresentavam intoxicação aguda. Mais: a prevalência de câncer é 38% maior entre os agricultores que moram em perímetros irrigados, em decorrência da chegada de grandes empresas do agronegócio, com uso intensivo de agrotóxicos.
O agronegócio não tem respeito
“O agronegócio não tem respeito algum pelo semiárido. Todos os pequenos agricultores sabem que só se colhe um abacaxi por ano no pé. Há empresas que colhem até três. Eles veem a terra como substrato para colocarem toda química necessária para elevar a produtividade. Nem um respeito aos trabalhadores, que estão adoecendo, morrendo. A situação é muito grave e será pior se o projeto continuar”, disse a médica Raquel Rigotto, professora da Universidade Federal do Ceará (UFCE), que concedeu entrevista durante o III Encontro Nacional de Agroecologia, em Juazeiro, na Bahia.
O dossiê “Perímetros Irrigados: 40 anos de violação de direitos no semiárido” (http://dossieperimetrosirrigados.net/), é resultado do trabalho de 23 pesquisadores de diversas áreas, entre elas Geografia, História, Direito, Meio Ambiente e Saúde.  Além da UFC, participaram do estudo pesquisadores da Universidade Estadual do Ceará e da Universidade Estadual Vale do Acaraú, também naquele estado. Contribuíram ainda a Universidade Federal do Rio Grande do Norte e a Universidade do Estado do Rio Grande do Norte.
“Os perímetros irrigados vêm evoluindo no sentido claro de ser um espaço geopolítico do capital no semiárido. Se, em um pedaço pequeno de terra, como o Jaguaribe-Apodi, a gente já vê um estrago enorme, imagina em 400 mil hectares?”, questionou Rigotto.
De acordo com a professora, que é também representante da Rede Brasileira de Justiça Ambiental e da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), o estudo partiu de uma demanda do Movimento 21, que reúne movimentos sociais do campo, como Cáritas Diocesana de Limoeiro do Norte, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e Comissão Pastoral da Terra (CPT).
Violação de direitos
Os camponeses denunciam graves violações de direitos humanos nos territórios que já convivem com esta tecnologia e afirmam que as áreas de perímetro irrigado facilitam a ocupação de terras por parte de empresas nacionais e transnacionais do agronegócio que, a partir da exploração dos recursos naturais e da mão de obra local, cultivam commodities para exportação. Este modelo de agricultura vai na contramão das práticas agroecológicas adotadas pelos pequenos agricultores da região, o que significa diversidade de cultivos, respeito ao ciclo natural de produção, trabalho digno e a administração de pragas sem uso de agrotóxicos, entre outras características.
A conclusão do estudo, que tem como bases casos sobre os perímetros Baixo Acaraú, Baixo-Açú, Jaguaribe-Apodi, Santa Cruz do Apodi e Tabuleiro de Russas, é que há violação de sete direitos das comunidades: direito à terra, à água, ao meio ambiente, ao trabalho digno, à saúde, à cultura e à participação política.
De 24 amostras de água coletadas de poços profundos para o dossiê de Perímetros Irrigados, todas estavam contaminadas. Em uma delas, foi detectada contaminação por dez princípios ativos diferentes. Os exames médicos feitos em moradores levaram em conta os critérios da Organização Mundial da Saúde (OMS), ou seja, se o paciente apresentar três ou mais sintomas 72 horas após a exposição ao agente químico, a intoxicação é considerada provável.
O mais preocupante, segundo a professora Raquel Rigotto, é que 56,5% desses trabalhadores não procuravam assistência médica. Eles se acostumam a sentir sintomas como náuseas, dor de cabeça, pruridos na pele. Aos poucos, forma-se uma intoxicação crônica que pode levar à morte. Uma vitória recente  do movimento local foi exatamente o reconhecimento de uma morte por intoxicação por agrotóxicos na região de Limoeiro do Norte, no Ceará. A empresa Belmonte pagará R$ 330 mil de indenização à família de um trabalhador.
Além da ameaça à saúde, a professora critica outras consequências da implantação de perímetros irrigados, como a desapropriação de terras para a construção de algumas dessas estruturas.

O problema é de todo mundo, não só de Apodi
Francisco Edilson Neto, líder do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Apodi, é um dos agricultores ameaçados pelos perímetros irrigados. A Chapada do Apodi, região em que vive, já foi ocupada pelas grandes corporações em seu lado cearense – ela se localiza na divisa do estado com o Rio Grande do Norte. Desde quando foi inaugurado o PI Jaguaribe-Apodi, diversas famílias agricultoras perderam seus sítios para empresas como Fruta Cor, Bananas do Nordeste S/A e Del Monte Fresh Produce. Agora, um novo sistema de irrigação (PI Santa Cruz do Apodi) está sendo construído, dessa vez na parte norte-rio-grandense. “Esse projeto vai expulsar 6 mil pessoas de suas terras”, afirmou Neto.
Em sua fala, ele destacou ainda a importância de se analisar e comparar diversos casos semelhantes, como fizeram os autores da pesquisa. “É muito interessante que a gente junte esses conflitos. O problema é de todo mundo, não só de Apodi. Nós estamos perdendo os territórios. Se a gente não lutar, não vamos ter mais nenhum camponês no próximo ENA”, declarou.
Quando é o caso de desapropriar
A questão da desapropriação é vivenciada no momento por habitantes de comunidades próximas ao perímetro de Santa Cruz do Apodi, previsto para ser implantado na porção potiguar da Chapada do Apodi, na divisa entre o Rio Grande do Norte e o Ceará. Já foram publicados decretos anunciando a desapropriação de moradores. A estimativa do presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Apodi, Francisco Edilson Neto, é que cerca de 600 famílias serão desalojadas de suas terras, de um total de 2,6 mil famílias que vivem na região.
As comunidades têm lutado contra a construção do perímetro, iniciada em 2013. Agricultores e representantes do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) ocuparam o local onde acontecem as obras. O Ministério Público Federal analisa o caso.
“A barragem de Santa Cruz (de onde virá a água para o perímetro) não tem água para irrigar 10 mil hectares (como está previsto no projeto). Metade (da água da barragem) está comprometida com esse projeto. Além das desapropriações, haverá diminuição na quantidade de água, contaminação. Por que não entregar essa água à agricultura familiar?”, questiona ele.
Raquel Rigotto acrescenta que, em comunidades nas quais os moradores não foram desapropriados e tentaram conviver com os perímetros, houve problemas de elevação na conta de energia. “Funciona como em um condomínio, em que as despesas são rateadas. Uma agricultora relatou uma conta de R$ 1,2 mil”.
“O interessante foi que viemos com os seis direitos violados e eles próprios identificaram o sétimo direito, à participação política [por não estarem sendo ouvidos quanto à sua opinião sobre os perímetros]”, conta Raquel.
O III Ena acontece em Juazeiro (BA), de 16 a 19 de maio.

terça-feira

Chapada do Apodi: Ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República faz promessas novamente.


moradores_apodi_.jpg
Em 2012, mulheres da Chapada do Apodi (RN) protestavam contra o Projeto de Irrigação Santa Cruz
Juazeiro – O governo federal está reanalisando a política de perímetros irrigados, disse ontem (20) o ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, ao discutir o caso dos moradores da Chapada do Apodi, na divisa entre o Rio Grande do Norte e Ceará. Parte das famílias da região teve as terras desapropriadas para implementação do perímetro de Santa Cruz do Apodi.
Ao centro Ministro Gilberto Carvalho - Plenária Final do ENA

“O mérito da questão do Apodi está nos levando a fazer reanálise de toda a política de perímetros irrigados. É verdade que ela trouxe muitos benefícios, mas acho que de fato chegou o momento de uma rediscussão. Não fosse a resistência dos moradores e a ação forte do governo, já teria ido muito mais longe. [O projeto] já foi redesenhado duas vezes. Dentro do governo, há discussão forte quanto à sustentabilidade, viabilidade não só econômica, mas também social”, disse Carvalho.
O ministro deu as declarações em coletiva de imprensa após o encerramento do 3° Encontro Nacional de Agroecologia, que terminou nesta segunda-feira (19), em Juazeiro, na Bahia.
Mais cedo, Carvalho respondeu perguntas de agricultores. Confrontado por Francisco Edilson Neto, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Apodi, ele prometeu apoio. “Seguramos muita coisa e fizemos mudar o projeto original. Eu e Miguel Rossetto [ministro do Desenvolvimento Agrário] vamos a Apodi. Vocês não ficarão desamparados. Nós vamos assumir essa luta com vocês”, declarou.
Fonte: Rede Brasil Atual