segunda-feira

A crise hídrica perfeita

São cinco fatores fundamentais que geram a atual crise hídrica brasileira. 

O primeiro, alertado por vários cientistas, é a possível ruptura no ciclo de nossas águas. Em resumo, grande parte delas tem origem na evapotranspiração da floresta amazônica, sendo carreada para o sul, centro-oeste e sudeste pelos rios voadores. Com a derrubada da floresta amazônica os rios voadores estão perdendo força. 
Completa essa ruptura o desmatamento do Cerrado, que tem como consequência sua impermeabilização. O Cerrado não está na origem do ciclo de nossas águas, mas tem o papel fundamental de armazená-las em tempos de chuva e depois liberá-las para nossas bacias hidrográficas em tempos de estiagem. É o que os técnicos chamam de vazão de base. Ela garantia a perenidade de nossos rios, a exemplo do São Francisco. Hoje porém, com menos absorção, não garante mais. 

O segundo fator é a escassez qualitativa. Destruídos, poluídos, muitas vezes os mananciais estão ao lado de nossas casas, cortando nossas cidades, mas impróprios para o consumo humano e doméstico. O exemplo mais clássico são as águas do Tietê do Pinheiros em São Paulo. Mas podemos estender essa lógica a todos os rios que atravessam centros urbanos, desde os pequenos até os grandes. 

O terceiro fator é a expansão do uso da água para fins econômicos, particularmente a agricultura irrigada. Hoje temos 6 milhões de hectares irrigados e eles são responsáveis por 72% da água doce consumida no Brasil. Entretanto, estudiosos dizem que temos potencial para mais 29 milhões de hectares – outros falam em 60 milhões -, sobretudo no território do agronegócio chamado de MATOPIBA, iniciais de Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. 

O quarto fator é o hidronegócio. A mercantilização da água despertou cobiça no mundo inteiro em seus múltiplos usos, particularmente dos serviços de abastecimento urbano e na água envazada. Quando um bem essencial à vida como a água é apropriado privadamente e mercantilizado, passa a ser gerido pelas regras absolutistas do mercado. A consequência é o preço exorbitante da água para populações mais pobres e o lucro soberbo das empresas que adquirem esses serviços. O que aconteceu em Itu e nas periferias da grande São Paulo ilustram esse fator de forma cabal. 

Finalmente, o descuido. Não temos nenhuma política de educação, ética do cuidado com nossos mananciais ou a utilização de nossas águas. Mesmo quando a questão é abordada, simplesmente prefere-se transferir o problema para os consumidores domésticos, exatamente a parte menos influente na crise. 
A ruptura do ciclo das águas + escassez qualitativa + expansão da demanda + hidronegócio – cuidado. Eis a equação da crise perfeita e perversa.


Autor(a): Roberto Malvezzi (Gogó)-Escritor, compositor e músico 


Plantando organização e colhendo autonomia e resistência: os quintais e a luta das mulheres de Palmares pelo seu território





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“Aqui quem bota pra frente são as mulheres” é o que diz Natália Medeiros, agricultora do Grupo de Mulheres de Palmares. Não é à toa a afirmação. As mulheres são as responsáveis pela produção nos quintais. Natália, por exemplo, mora sozinha e, em seu quintal, produz as hortaliças que vende para feira da cidade e de onde tira a sua própria renda. Um pouco mais a frente mora Maria Antônia, conhecida como Branca que, diferente de Natália, não vende a produção de seu quintal, mas dele tira frutas e hortaliças para o seu consumo e de sua família: “em vez de tá comprando, eu já tenho em casa e isso economiza muito!”. No quintal de Branca tem: banana, caju, manga, tamarindo, limão, laranja, côco, acerola, pinha, cajarana, siriguela, graviola, hortaliças diversas e plantas ornamentais como rosas e palmeiras que ela ama.
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Natália e Branca são do grupo de mulheres da Agrovila Palmares, Apodi/RN. Palmares nasceu a partir de um projeto de assentamento modelo idealizado no final dos anos 90 pela Força Sindical e Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo que, chegando à Apodi, fez um processo de seleção de 30 famílias e capacitação das mesmas. Das 30, 28 famílias foram aprovadas para receber os benefícios previstos e em maio de 2000, cada uma dessas famílias recebeu uma casa, com televisão e bicicleta, em uma estrutura com água, luz, transporte escolar e duas matrizes de caprinos”, lembra Nova. Com o tempo, por falta de recursos, o sindicato parou de investir no assentamento e em 2006 doou as casas e um quintal de 100 metros para as famílias e as terras coletivas para a associação da comunidade.
A partir da associação e do trabalho conjunto com a Comissão de Mulheres do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Apodi – STTR, formou-se o Grupo de Mulheres de Palmares em 2006 e, neste mesmo ano, o Centro Feminista passou a atuar diretamente na comunidade com assistência técnica para produções nos quintais, formação feminista e fortalecimento da auto-organização.
O grupo Mulheres de Palmares conta com a participação ativa de 16 mulheres da comunidade que se reúnem mensalmente para debates e articulação da participação nos espaços de discussão e tomadas de decisões. Foi através da participação no STTR que, em 2011, as mulheres souberam que o projeto do Departamento Nacional de Obras Contra a Seca – DNOCS desapropriaria mais de 13 mil hectares de terras do lado potiguar da Chapada, onde vivem mais de 800 famílias, para dar lugar à instalação do Projeto de Irrigação Santa Cruz do Apodi, evidenciando uma política de irrigação em benefício da expansão do agronegócio.
As mulheres de Palmares fizeram o enfrentamento direto contra a tomada de seu território pelo projeto do DNOCS e em defesa da agroecologia em 2012/2013. Os atos de rua que contaram com mais de 3 mil mulheres e campanha internacional nas redes sociais junto ao movimento Marcha Mundial das Mulheres mostraram a força da auto-organização da qual as mulheres de Palmares protagonizaram.
Para Branca, a união e a oportunidade de fazer a luta também fora da comunidade são motivos de alegria e pelos quais a fazem continuar firme e forte no grupo. Natália afirma:“depois que entrei no grupo, eu aprendi muita coisa com as outras mulheres. Pra mim, a melhor coisa de morar em Palmares, além da água, é as mulheres e a nossa organização que faz a gente ser mais independente”. A experiência das mulheres de Palmares é uma prova do quanto a auto-organização contribui para defesa dos territórios, resistência nas lutas por direitos e a autonomia das mulheres.
*Fotos de Wigna Ribeiro
Fonte: Centro Feminista 8 de Março