quarta-feira

Comunidade tradicional é atingida por impactos dos parques eólicos

Comunidade quilombola Malhada (BA) é uma das que resistem à implantação de parque eólico em seu território
Iasmin Santana e Allan Lustosa* - comunicadores populares da ASA
Caetité | BA
27/08/2014
O vento é a fonte de energia que mais cresce no Brasil. Entre 2006 e 2013, houve um crescimento de 829% desse setor. Hoje, já são 167 parques eólicos em todo o país, mas 36 deles estão desconectados da rede por falta de linhas de transmissão. Um parque eólico é um espaço, terrestre ou marítimo, onde estão concentrados vários aerogeradores destinados a transformar energia eólica em energia elétrica.
Do ponto de vista físico, não existe energia limpa. Ou seja, não existe uma fonte energética convertida em outra fonte que não emita gases, resíduos e que não impacte socialmente. Podemos classificar as fontes como 'sujas', no caso dos combustíveis fósseis, gás natural, carvão mineral e derivados de petróleo e minérios radioativos, e as fontes 'menos sujas', que são as energias renováveis solar, eólica, biomassa e hidráulica", diz o especialista Heitor Scalambrini (veja entrevista completa aqui).


 
 Parque de energia eólica | Foto: Allan Lusttosa
O Nordeste é uma das regiões de maior potencial eólico do Brasil, com destaque para a Bahia, que abriga o maior complexo eólico da América Latina, localizado no município de Caetité, no sertão do estado. Segundo informações do Atlas Eólico da Bahia de 2013, o estado apresenta a existência de recursos eólicos abundantes, com ventos regulares, distribuídos principalmente no Semiárido baiano.

Atualmente, existem oito usinas eólicas em operação nos municípios de Brotas de Macaúbas, Sento Sé e Sobradinho. Além disso, de acordo com o Atlas, a Bahia tem 87 projetos de energia eólica previstos para instalação que somam, aproximadamente, R$ 8,5 bilhões.

O crescimento dessa fonte de energia, no entanto, merece atenção, pois os parques eólicos têm causado grandes impactos sociais e ambientais. Em Caetité, um dos focos do problema é o modo como os parques vêm sendo implantados, aliado à falta de informação. Essa realidade é vivenciada por 67 famílias da comunidade quilombola de Malhada, pertencente ao Distrito de Maniaçu. Os moradores não se opõem ao trabalho das empresas, mas querem seu território livre para decidir o que fazer com ele. “Nós aqui não é contra a empresa, nós queremos a nossa terra. Se nós não tiver a nossa terra, pra onde é que nós vamos?”, desabafa dona Odetina de Jesus, uma das moradoras mais antigas da comunidade.

A comunidade foi reconhecida como quilombola em 2012, com o apoio do sindicato, pastorais da igreja católica e movimentos sociais.  A certificação possibilita que a comunidade seja defendida juridicamente pela Fundação Cultural Palmares e beneficiada com políticas públicas federais. A luta agora é pela demarcação e titulação das terras pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA).
Seu Joaquim da Silva, presidente da Associação do Pequeno Agricultor da Comunidade de Quilombo de Malhada e de Maniaçu, relembra que foi procurado por representantes de empresas para que ele autorizasse a implantação da torre eólica, mas apesar de ser presidente da associação, ele afirmou que só poderia “fazer as coisas juntamente com a comunidade”.

Mesmo sem autorização dos moradores de Malhada, há mais ou menos dois anos, foi implantada uma torre de pesquisa em uma área da comunidade e também colocada uma cancela com uma placa que informa ser proibida a circulação de pessoas. Essa área tem um significado histórico, pois era onde os antepassados deles trabalharam. Na época, a comunidade reuniu os moradores e representantes de algumas organizações da sociedade civil para saber da empresa o motivo da implantação, mas o diálogo não avançou. A partir do momento que o território deixa de ser deles e passa a ser da Companhia, como será para as futuras gerações? Essa é uma preocupação de dona Teresinha da Silva que questiona: “Essa nova geração pra onde vai?”

Para Thomas Bauer, da Comissão Pastoral da Terra na Bahia (CPT-BA), os parques eólicos que ocupam imensas extensões territoriais causam grandes impactos socioambientais para as populações locais, na sua maioria comunidades tradicionais.

“Além da volta da grilagem de terra, os contratos de arrendamento assinados são sigilosos, abusivos e totalmente favoráveis às empresas que na sua grande maioria nem sequer explicam o teor destes contratos e os camponeses/as são pressionados a assinar entre a casa e a porteira da roça, comprometendo toda a geração futura”, afirma Thomas.


Joaquim, Odetina e Teresinha resistindo na comunidade quilombola | Foto: Allan Lusttosa
A expulsão de comunidades de suas terras é um dos impactos na energia eólica, mas há outros. Segundo a Pesquisa sobre Licenciamento Ambiental de Parques Eólicos do Ministério do Meio Ambiente, realizada em 2009, os principais impactos apontados pelos estados são os relacionados ao efeito do parque eólico na paisagem, alteração de uso do solo e relevo, aumento da mortandade de pássaros que se chocam nas hélices, interferências eletromagnéticas e impactos sonoros, que podem causar sérios danos à saúde humana.

“Sem falar que os Parques Eólicos, em grande parte financiados com investimentos públicos e entregues à mão privada, reforçam um modelo desenvolvimentista, aumentando a concentração gerando lucro para poucos", explica Thomas.

Fórum Social Temático
A energia eólica foi um dos temas debatidos no Fórum Social Temático sobre Energia (FTS – Energia), realizado de 7 a 10 de agosto, em Brasília-DF, com o tema: “Energia: para quê? Para quem? Como?. O evento foi realizado para atender à necessidade de reflexão sobre os problemas que vêm sendo criados pelas matrizes energéticas utilizadas (hidroelétricas, termoelétricas, energia nuclear, combustíveis fósseis), como também para debater maneiras alternativas de produção de energia, de forma a diversificar as matrizes geradoras de energia e garantir menos impactos ao meio ambiente e aos grupos sociais. 


Para Cláudio Dourado, agente da CPT BA – Centro Norte, a temática sobre energia eólica foi uma das mais interessantes do evento, porque tinha uma grande representação de movimentos sociais, moradores de comunidades de fundo de pasto, quilombolas e indígenas dos estados da Bahia, Ceará e Pernambuco, que se reuniram durante todo o fórum e trocaram experiências no que diz respeito à questão do impacto dos aerogeradores nas suas regiões.

Ele destaca também que os encaminhamentos desse grupo de trabalho foram bastante concretos, como a formação de uma comissão, com representantes de cada estado, para pensar estratégias de enfrentamento desses impactos ocasionados pela implantação dos parques eólicos e a realização de encontros regionais para debater esse assunto.

O FST-Energia é uma iniciativa de organizações da sociedade civil brasileira vinculadas ao tema, organizadas em um Coletivo de Facilitação e autônomas em relação a governos, partidos e empresas.
Durante o FST-Energia foi lançada a Campanha Nacional por uma Nova Política Energética com o slogan ENERGIA para a Vida!. O objetivo da campanha é promover uma nova política para o setor elétrico no Brasil à altura dos desafios do século 21, baseada em princípios de eficiência econômica, justiça social, respeito à diversidade cultural, participação democrática e sustentabilidade ambiental.

Mais informações:  www.energiaparavida.org

*Colaborou Gleiceani Nogueira, da ASACom.

segunda-feira

Cisternas de enxurrada garantem produção agrícola com água de chuva em comunidades.

Região conhecida nacionalmente como terra do bode e referência em todo Semiárido brasileiro pelo trabalho de beneficiamento de frutas da Caatinga, especialmente o umbu, Uauá, no sertão da Bahia, é um dos municípios contemplados pelo Projeto Mais Água, da Secretaria de Desenvolvimento Social e Combate à Pobreza da Bahia – Sedes, que nesta região é executado pelo Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada – Irpaa.
Ao longo do Projeto, cerca de 180 comunidades do município serão contempladas com um total de 173 implementações, em sua maioria em comunidades de Fundo de Pasto. D. Marlene, D. Adriana e S. João Bosco estão entre as/os beneficiários/as do projeto que já estão usando a água armazenada na cisterna de enxurrada com as últimas chuvas para cultivar alimentos.
Trabalho em família
Marlene Silva de Aquino Almeida, de 30 anos, vive com a filha e o esposo na comunidade de Volta do Rabelo, a 12 km da sede de Uauá. Beneficiária do Mais Água, ela mostra com satisfação os primeiros resultados do projeto, destacando que a chegada da cisterna animou algumas pessoas da sua família a se unirem para cultivar a horta e o pomar ao lado da tecnologia de captação e armazenamento de água da chuva. As chuvas que caíram no mês de dezembro encheu a cisterna e a água vem sendo usada para manter o cultivo de coentro, cebolinha, alface, pimentão, quiabo, mandioca, além de plantas medicinais e fruteiras como mamão, pinha, acerola, maracujá e goiaba.
O cunhado de Marlene, S. Rogério de Almeida, relata que “quando um não pode molhar, o outro molha, a gente tem união pra plantar né, cuidar e cada um ter seu canteiro”. Marlene completa dizendo que não basta apenas a vontade de plantar, mas “tem que saber também cuidar”, diz tomando como base o esforço coletivo que membros das famílias estão tendo para confirmar a eficácia da tecnologia implantada na propriedade. Para Marlene, só o fato de não comprar mais os produtos que agora tem ao lado de casa e todos sem agrotóxicos, já é uma grande contribuição do projeto. À espera da segunda filha, os planos da agricultora são de “futuramente poder vender, poder ajudar a comunidade também, não pensar só na gente”.
Segurança Alimentar e complemento à renda
Na Fazenda São Bento, a cisterna também já está contribuindo para algumas mudanças na família de D. Adriana Cardoso Varjão. Além do consumo de hortaliças como couve e coentro na alimentação cotidiana, tudo produzido de forma orgânica nos canteiros construídos também pelo projeto, a venda do excedente desses produtos na Feira da cidade já é uma realidade.
D. Adriana, que também é criadora de abelhas e preside a Associação de Apicultores da Fazenda São Bento, conta que a família sempre fez plantios de chuva, mas agora experimenta cultivos permanentes a serem irrigados com a água armazenada na cisterna de enxurrada. Junto com o esposo, S. José Carlos Santana, ela vem cuidando da produção e está sempre em busca de mudas, principalmente de fruteiras.
Na área de Fundo de Pasto onde o casal mora com os filhos, além da criação de caprinos e ovinos e da apicultura, a família agora passará também a ter para o sustento, podendo até vender, alimentos como abobrinha, pinha, manga, seriguela, acerola, umbuzeiro, além de ervas bastante usadas na medicina alternativa como capim santo e hortelã.
O adubo utilizado vem dos animais da propriedade e a cisterna possibilita cultivar também alimento para o rebanho, conta D. Adriana, que está apostando também no plantio de forragem como capim e sorgo.
Complementação de tecnologias
Na comunidade de Ouriciu, região de vasta Caatinga, as famílias estão apostando na preservação. A caprinovinocultura, no modo de criação em área coletiva (Fundo de Pasto), ainda é uma das principais fontes de renda. Para complementar esta prática e garantir o armazenamento da água da chuva, S. José Bosco Pedro Mariano conta que está ansioso para cultivar a partir da cisterna de enxurrada que recebeu do governo, através do Irpaa, no Projeto Mais Água.
Os 52 mil litros de água hoje guardados na cisterna serão utilizados para manter cultivos deraízes como mandioca, beterraba, cenoura, planeja S. João Bosco. Uma grande vantagem é que sua propriedade fica ao lado de outra cisterna de enxurrada, a do seu vizinho Antônio Ferreira Matos, também contemplado com o projeto, e ambos compartilham uma área de captação de uma barragem subterrânea, construída pela Articulação do Semiárido (Asa). A barragem, que fica situada entre as duas cisternas, está na terra de S. Antônio, mas o cultivo pode ser feito nas duas propriedades.
Assim, o uso da água da cisterna certamente será menor, permitindo uma economia na irrigação e aumentando a possibilidade de cultivos. Atualmente, nas áreas já estão sendo colhidos legumes como feijão de corda, maxixe, frutas a exemplo de melancia, além de hortaliças. Os agricultores estão vendo se desenvolver também sorgo, banana, limão, acerola, tomate, mamão e até abacaxi.
Saiba mais sobre o Projeto Mais Água
O Projeto Mais água executado pelo Irpaa vai instalar um total de 651 tecnologias de captação e armazenamento de água de chuva e realizar atividades voltadas para a Convivência com o Semiárido em cinco municípios dos Territórios do Sertão do São Francisco, Norte de Itapicuru e Itaparica, na Bahia. Trata-se de um total de 885 famílias dos municípios de Abaré, Curaçá, Uauá, Jaguarari e Andorinhas que além de receber as tecnologias, estão participando de cursos, visitas e intercâmbios.
Em Uauá estão sendo implementados: 77 cisternas de produção; 01 barragem subterrânea; 60 barreiros trincheiras familiares; 05 barreiros trincheiras comunitários; 10 limpezas de aguadas; 20 quintais produtivos.
Texto e Foto: Eixo Comunicação