Entre uma comunidade e outra, passando por estrada de asfalto, de
barro, de terra, subindo e descendo morros, adentrando a Mata Atlântica,
a Caravana Agroecológica e Cultural da Zona da Mata – MG percorreu
durante três dias (22 a 24 de maio) em torno de 1627 quilômetros. Para
se ter uma ideia, essa distância equivale a sair de São Luiz, capital
maranhense, a Salvador, na Bahia, no extremo sul da região Nordeste. A
iniciativa faz parte do processo preparatório do III Encontro Nacional
de Agroecologia (ENA), previsto para o primeiro semestre de 2014.
O percurso foi dividido em três rotas (Muriaé, Araponga e Acaiaca),
que se subdividiram em sete grupos. Ao todo, foram visitados 17
municípios da Zona da Mata Mineira: São Miguel do Anta, Canaã, Araponga,
Divino, Ponte Nova, Acaiaca, Abre Campo, Diogo de Vasconcelos,
Simonésia, Sem Peixe, Conceição de Ipanema, Visconde do Rio Branco,
Ervália, Muriaé, Pedra Dourada, Espera Feliz e Alto Caparaó.
Os participantes, vindos de todas as regiões do País, conheceram
experiências de agricultores e agricultoras em produção agroecológica,
sistemas agroflorestais, sementes, educação do campo, acesso à terra,
manejo dos recursos naturais e acesso a mercados, mobilizadas e
articuladas pelo Centro de Tecnologias Alternativas da Zona da Mata
(CTA-ZM), em parceria com entidades locais.
Para o representante da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) e
coordenador do Centro Sabiá, Alexandre Henrique Pires, a caravana
conseguiu fazer uma boa mobilização de organizações e movimentos sociais
de todo o Brasil e mostrou uma capacidade de articulação de
experiências bastante interessante dentro da proposta do III ENA, que é
de reafirmar a agroecologia como a principal estratégia para o
desenvolvimento rural.
“As experiências mostram capacidade de produção de alimentos, de
geração de renda, de conservação da biodiversidade e dos recursos
naturais, de geração de trabalho, de perspectivas para a juventude
rural, de força e visibilidade do papel das mulheres camponesas”, avalia
Pires, que também está na comissão nacional de preparação do ENA.
Território de disputa
No município de Abre Campo, os contrastes entre os dois modelos são bastante evidentes. Na comunidade foi construída a barragem de Granada, no rio Matipó, bacia hidrográfica do Rio Doce. O processo de licenciamento teve início em 1995, mas a licença de operação e instalação foi concedida em 2002. Durante todos esses anos, as famílias contam que eram procuradas dia e noite pelo representante da empresa, que eles chamam de “homem da mala preta”.
“Se há uma represa que deu lágrima foi essa. Aqui todo mundo saiu
chorando. Quando eu sai da minha casa, fui parar num barraco de
maderito. Fiquei 10 anos no barraco de maderito e não é coisa de gente
morar não. Pra quem tinha uma casa como eu tinha, de madeira, de tábua”,
desabafa Carminha, uma das atingidas pela construção da barragem. “A
gente tinha fartura de tudo. A gente comprava um sal, um óleo, pouca
coisa. Hoje, o que eu tenho, é tudo comprado”, compara Carminha.
No semblante das famílias, ainda percebe-se um olhar triste. Na
lembrança, as memórias de ‘um tempo que não volta mais’ ainda são muito
presentes. A construção da barragem desterritorializou centenas de
famílias, acabou com a agricultura da região, com as fontes de água, com
a vegetação e com o campinho de futebol, principal espaço de lazer da
comunidade. Contraditoriamente, no entorno da grande obra, a Brookfield,
empresa canadense que comprou a barragem em 2008, espalhou placas com a
seguinte frase: Preserve o meio ambiente!
Além das barragens, o território sofre com os efeitos na mineração,
da monocultura do eucalipto, da cafeicultura e tantas outras expressões
do agronegócio. Ao mesmo tempo, a caravana mostrou que há um grupo
significativo de famílias que estão resistindo a esse modelo, através de
práticas que valorizam o conhecimento local e respeitam a natureza.
“Quando os agricultores têm consciência do seu papel enquanto
sujeitos políticos, eles criam um conjunto de estratégias de
independência do mercado, gerando um grau de autonomia econômica,
cultural, produtiva, bastante diferente daquelas famílias que não têm
acesso a esses conhecimentos ou que não se reconhecem como sujeitos
desses conhecimentos”, avalia Pires.
(*) Fonte: Articulação no Semiárido Brasileiro (ASA).