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Perímetro Irrigado Tabuleiro de Russas é modelo de produção, principalmente de frutas. No entanto, agricultores apontam dificuldades no acesso às terras. |
Russas. Foram quase dois anos de coleta e organização de pesquisas científicas,
textos e estudos de casos em cinco perímetros irrigados nos Estados do
Ceará e Rio Grande do Norte. As experiências resultaram em um dossiê que
releva os impactos negativos
sofridos pelas comunidades desapropriadas e pelas que ainda convivem no
entorno desses grandes projetos de irrigação. O levantamento denuncia e
aponta violação de direitos nas últimas quatro décadas.
O Dossiê Perímetros Irrigados foi organizado a partir do grupo de pesquisa
do Movimento 21 (M21), que consiste em uma articulação de movimentos
sociais do campo, sindicatos de trabalhadores, pastorais sociais e
pesquisadores de departamentos da Universidade Estadual do Ceará (Uece) e
da Universidade Federal do Ceará (UFC).
O grupo de pesquisa está
cadastrado no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq) sob o título "Ecologia de saberes para promoção da
equidade ambiental e em saúde no trabalho no contexto da expansão do agrohidrone-gócio nos territórios do Vale do Jaguaribe".
De acordo com uma das
organizadoras do Dossiê, a professora do curso de Geografia da Faculdade
de Filosofia Dom Aureliano Matos (Fafidam) e doutoranda em Geografia
Humana na Universidade de São Paulo (USP), Bernadete Freitas, havia uma
necessidade de organizar as várias pesquisas realizadas nos últimos anos
sobre a temática e reuni-las em um documento único, que sirva como
ferramenta para estudiosos e movimentos sociais. "Pensamos nesse
trabalho de modo que sirva principalmente para as comunidades camponesas
dessas áreas lutarem por seus direitos e para movimentos sociais, que
cobram dos governos uma mudança nesse modelo de irrigação. Será
importante também, nesse sentido, para o Estado reavaliar essa política
pública" afirma.
O dossiê traz tanto as vozes dos territórios, quanto as análises de
quatro décadas de violações de direitos no semiárido e os estudos de
casos, com base em pesquisas científicas e outros documentos oficiais, dos perímetros irrigados Jaguaribe-Apodi (CE), Tabuleiro de Russas (CE), Baixo Acaraú (CE), Baixo Assú (RN) e Santa Cruz
do Apodi (RN), sendo que este último ainda será implantado, mas há um
processo de resistência muito forte por parte das comunidades. Essas
áreas, segundo Bernadete, são aquelas que apresentam maiores impactos
negativos e violações de direitos, levando pesquisadores a publicarem
vasto material acerca dessas regiões. Ainda de acordo com ela, é no
Perímetro Jaguaribe-Apodi onde mais se expressa a geração de impactos
negativos.
Parceria
Estiveram envolvidos pesquisadores da Universidade Federal do Ceará (UFC), Universidade Estadual do Ceará (Uece), por meio da Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos (Fafidam), Universidade Estadual Vale do Acaraú (Ueva), Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e Universidade Estadual do Rio Grande do Norte (Uern) e Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia
(IFCE). O dossiê foi construído utilizando, como metodologia, o
levantamento e estudo das teses, dissertações, artigos científicos,
estudos de impacto ambiental e outros documentos oficiais ou produzidos
pelos movimentos sociais sobre o tema e a análise do conjunto dos
estudos de caso para identificação dos elementos comuns, foram
elaboradas grades analíticas das violações de direitos nestas fases.
Todo o material coletado foi apresentado e discutido com um amplo grupo de movimentos sociais do campo no Ceará e no Rio Grande do Norte.
"O dossiê foi construído coletivamente. As análises foram focadas na violação do direito à terra,
ao território e à cultura, à participação política, à água, ao meio
ambiente, ao trabalho digno e à saúde", afirma ela. Como exemplo da
negação de direito à participação política, Bernadete conta que não
ocorre o mínimo de diálogo entre as comunidades e o Dnocs, órgão
responsável pela implantação e gerenciamento dos perímetros irrigados,
sobre a escolha dessas comunidades em relação à implantação dos
perímetros, pois "já vem tudo prontinho de cima pra baixo", afirma.
Indenizações
"Além disso, como exemplo de negação de direito à terra, percebe-se o
desrespeito ao direito de posse, assim com as indenizações injustas, por
exemplo. Trata de direitos que estão previstos, inclusive na
Constituição. Tem famílias que foram desapropriadas há décadas e até
hoje não receberam indenização. Isso sem falar no processo de expropriação camponesa após a implantação que
chega a 81%, como é o caso do Jaguaribe-Apodi. Por outro lado, tem
muitos camponeses resistindo e lutando para retornar à terra. O
Acampamento Zé Maria do Tomé, na Chapada do Apodi (CE), é um exemplo
dessa resistência e luta por direitos. Tem também toda a problemática
envolvendo os agrotóxicos, que foi profundamente abordada pela
professora Raquel Rigotto, do Grupo Tramas da Universidade Federal do
Ceará, enfim, são várias as negações de direitos sofridas pelos
moradores das comunidades", enfatiza.
O Dossiê foi lançado na Semana Zé Maria do Tomé, realizada para lembrar
a morte do líder comunitário Zé Maria do Tomé e para fortalecer a luta
de comunidades da Chapada, contra o atual modelo do agronegócio. O
conteúdo do dossiê também foi apresentado no III Encontro Nacional
de Agroecologia (ENA), realizado em Juazeiro da Bahia no mês de maio,
onde reuniu agricultores e diversos segmentos da sociedade de várias
cidades do País.
De acordo com Bernadete, o dossiê esta em fase de finalização para ser
publicado, primeiramente, em um arquivo virtual e depois seguirá para
versão impressa. Ela estima que até o início do próximo semestre o
material estará completo.
Comunidades agrícolas pleiteiam títulos de terras
Russas. Famílias desapropriadas para a implantação dos
perímetros irrigados Jaguaribe Apodi e Tabuleiro de Russas lutam há
anos pelo direito à terra. Comunidades inteiras foram desapropriadas,
como na região onde hoje está implantada a segunda etapa do perímetro
irrigado Tabuleiro de Russas, onde 10 comunidades deixaram de existir.
No total, 700 famílias da região foram afetadas.
De acordo com uma das
moradoras, Osarina da Silva Lima, as famílias aguardam desde 2010 o
acesso a um lote de terra no perímetro. O direito à terra foi assegurado
mediante a assinatura de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) entre
o Ministério Público Federal e o Departamento Nacional de Obras Contra
as Secas (Dnocs), responsável pela implantação e gerenciamento dos
perímetros. "Até agora nada foi feito e as famílias estão passando
dificuldades para sobreviver".
Quem também ainda luta por terras são os moradores da Chapada do Apodi,
na região que abrange os municípios de Limoeiro do Norte e Quixeré.
Eles reivindicam terras da segunda etapa do perímetro irrigado e estão
acampados no local desde o dia 5 de março. As negociações seguirão para o
Ministério da Integração Nacional, em audiência que será realizada
ainda neste mês. Atualmente, mais de 1000 famílias estão na área.
Todas os afetados nessas duas áreas de perímetro reivindicam uma forma
diferente de acesso a terra, que atualmente é feita por meio de edital.
Segundo Osarina, esse modelo não beneficia as famílias que já ocupavam a
terra. "É um tratamento desigual que estão dando às famílias que
deveriam ter esse direito assegurado", afirma.
De acordo com o diretor de Produção e Desenvolvimento Tecnológico do
Dnocs, Laucimar Loiola, a atual legislação dos perímetros não permite
que os lotes sejam concedidos de outra forma. "O que estamos tentando
com a ajuda do Ministério da Integração é que seja baixado um decreto
mudando a legislação dos perímetros, permitindo outras formas de
concessão de terras para beneficiar essas famílias", afirma.
Ainda de acordo com o Dnocs, não há previsão para lançar o edital para a segunda etapa do Tabuleiro de Russas.
Este perímetro irrigado do órgão federal tem maior área implantada. A
ampliação de mais de 3 mil hectares na segunda etapa tem conclusão
prevista para este mês de junho.
Mais informações
Dossiê "Perímetro Irrigados: quatro décadas de violação de direitos no semiárido"
http://dossieperimetrosirrigados.net/
E-mail: bernadete.Freitas@uece.br / bernadete@usp.br
Ellen Freitas
Colaboradora
Fonte: Diário do Nordeste