terça-feira

Os Sem Terra de ontem, de hoje e de amanhã.

Por Marina dos Santos*

Da Carta Capital
Assim como muitas ocupações de terras, o Movimento Sem Terra nasceu ao final de uma longa noite escura. A alvorada das greves operárias, da campanha pela Anistia geral e irrestrita, os novos movimentos sociais urbanos e as Diretas-Já que encerravam a ditadura militar, permitiu também a retomada da luta pela terra e pela reforma agrária no Brasil.
Eram posseiros, trabalhadores atingidos por barragens, migrantes, meeiros, parceiros, pequenos agricultores. Trabalhadores rurais sem terra, sem o direito de produzir alimentos. Expulsos por um projeto autoritário para o campo, que anunciava a “modernização” – quando, na verdade, estimulava o uso massivo de agrotóxicos e a mecanização –, baseados em fartos (e exclusivos ao latifúndio) créditos rurais; ao mesmo tempo em que ampliavam o controle da agricultura nas mãos de grandes conglomerados agroindustriais. Destas contradições e dos 500 anos de uma sociedade baseada no latifúndio é que fundamos, em 1984, um movimento social autônomo, que lutasse pela terra, pela reforma agrária e pelas transformações sociais necessárias para o nosso país.
Agora, aos 30 anos, nos tornamos o mais longevo movimento social camponês da história do Brasil. Isto por si só já seria um feito: resistir a décadas do poder econômico e político do latifúndio, que se estende da bancada ruralista na capital federal à pistolagem nos municípios, e sobreviver à cumplicidade escancarada dos meios de comunicação com a forma mais arcaica de poder em nosso país.
Mas há outros méritos que enaltecem nossa resistência: em três décadas, conquistamos a terra para mais de 350 mil famílias. Terra liberta do latifúndio e que estimulou o desenvolvimento local. Em cada latifúndio, onde viviam poucas pessoas, agora vivem 100, 200, 300, com a dignidade que antes lhes era negada.
Com isso, novas formas de organização e de lutas são demandadas, como nas mais de 400 associações e cooperativas que trabalham de forma coletiva para produzir alimentos sem transgênicos e sem agrotóxicos. Ou nas 96 agroindústrias que melhoram a renda e as condições do trabalho no campo, oferecendo alimentos de qualidade e baixo preço na cidade. Para se ter um exemplo, pouco mais de mil famílias assentadas na região de Porto Alegre (RS) são responsáveis pela alimentação de mais de 40 mil pessoas diariamente, por meio de programas de Alimentação Escolar e Aquisição de Alimentos.
Outras conquistas, entretanto, não podem ser medidas em números. Num país onde o campo sempre foi relegado ao atraso, à pobreza material, estética e intelectual, nos orgulhamos de termos formados mais do que “pequenos proprietários de terra”: nossa luta formou homens e mulheres, que reconquistaram a própria cidadania como sujeitos de sua história e não como subalternos.

Nenhum comentário: