quinta-feira

Associar água à segurança alimentar é contar histórias de famílias agricultoras do Semiárido

Na região, mais de 10 mil agricultores e agricultoras beneficiados pela ASA são capazes de produzir alimentos em quantidade e qualidade suficientes para suprir as necessidades nutricionais de toda família.

 
Várias nações do mundo estão celebrando, neste 22 de março, o Dia Mundial da Água.  O tema escolhido este ano pela Organização das Nações Unidas (ONU) é Água e Segurança Alimentar. A temática tem tudo a ver com a realidade das famílias agricultoras do Semiárido que foram beneficiadas pelo Programa Uma Terra e Duas Águas (P1+2) da Articulação no Semi-árido (ASA).

Vivendo numa região de déficit hídrico, onde chove menos do que a quantidade de água que evapora, essas famílias precisam de apoio para sair da situação de insegurança hídrica e mais apoio ainda para conseguir transformar a terra batida e seca em terra fofa e fértil e conquistar a segurança alimentar.

Esse apoio é o que eles encontram no P1+2. Além de tecnologias sociais de armazenamento de água, as famílias recebem também subsídios para implantar ou ampliar o seu espaço produtivo, seja uma horta, um galinheiro, um aprisco ou capril, ou plantar árvores frutíferas no terreno ao redor da casa.
As famílias que se tornam beneficiárias do programa também começam a participar de visitas de intercâmbio para trocar conhecimentos com agricultores e agricultoras que experimentaram soluções diversas para resolver problemas comuns a quem pratica a agricultura agroecológica no Semiárido.
Contexto social - Antes de começar a contar a história de dona Edite - uma pernambucana do Agreste cuja vida deu uma guinada com a chegada da água para o consumo e para a produção de alimentos - vale contextualizar a realidade socioeconômica das famílias agricultoras que moram na zona rural do Nordeste brasileiro, região que abrange grande parte do Semiárido.
Na zona rural do Nordeste residem três em cada dez pessoas em condições de miséria no país, segundo dados do Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS). Foram consideradas nesta condição aquelas famílias que têm a renda per capita abaixo de R$ 70 considerando o rendimento nominal mensal domiciliar.
Sem água, as famílias com vocação para agricultura não plantam seu alimento e dependem do escasso rendimento para saciar a fome de todos da casa. E a renda não é suficiente para garantir uma alimentação em quantidade e qualidade suficiente para suprir as necessidades de nutrientes de cada pessoa.

Depois da cisterna-calçadão, dona Edite cultiva mais de 27 tipos de alimentos no terreno ao lado de casa | Foto: Arquivo Centro Sabiá 
Vida real - Dona Edite Silva, nascida em Tacaimbó, no Semiárido de Pernambuco sabe bem o que é viver nesta situação. Com cinco filhos – Odair Otávio, Eunice Maria, Edilma Maria, Osmar Otávio e Odeilton Otávio – e depois de migrar diversas ocasiões em busca de uma vida digna, dona Edite trabalhou como diarista em roças de maxixe ganhando R$ 6 por dia. “Muitas vezes não havia nada para dar de comer aos meus filhos”, comenta com ar de tristeza lembrando de um passado não tão distante.
Nos últimos três anos, o relato de fome deu lugar a uma fala de gratidão e orgulho pelas conquistas que pareciam impossíveis no solo seco da sua propriedade de 1,3 hectare: “No meu roçado planto morango, amora, abacaxi, mamão, manga, caju, maracujá, banana, melancia, goiaba, laranja, limão, pitanga, acerola, pinha, cana caiana, batata doce, inhame, macaxeira (aipim), alface, coentro, cenoura, tomate, pimentão, pimenta, feijão e milho.” E toda essa produção sem usar agrotóxicos normalmente utilizados nos monocultivos que produzem em grande escala.
Dona Edite conquistou as duas cisternas da ASA: a que garante água potável para beber, cozinhar e escovar os dentes e a que guarda água para aguar as plantas e matar a sede dos animais, chamado pelos agricultores de cisternão. A primeira tem 16 mil litros de capacidade e a segunda o triplo desta vasão: 52 mil litros.
Para além das tecnologias, estão por trás dessa mudança a força de vontade e a disposição para o trabalho da família de Dona Edite, a valorização do lugar onde nasceu e viveu e a troca de conhecimento entre os agricultores.

“O P1+2 transita tanto pelas dimensões estruturais, físicas, quanto nas dimensões mais subjetivas que garantem o envolvimento das famílias e a fé para acreditar que este caminho vai ajudá-las a conquistar autonomia para produzir seu próprio alimento. Esse é o grande segredo do programa e da ASA”, atesta o coordenador pedagógico do P1+2, Antônio Barbosa.

Estímulo à produção no Semiárido – Desde 2007, quando o P1+2 começou a ser executado pela ASA, 10.239 famílias receberam cisternas-calçadão e barragem subterrânea, e junto com as tecnologias, mudas, sementes e animais para iniciar ou reforçar sua aptidão produtiva. Os beneficiados recebem também material de infraestrutura para montar hortas, currais e outros espaços necessários para a produção de alimentos.

De 2008 até os dias atuais, o P1+2 investiu R$ 5,66 milhões na compra dos insumos e da infraestrutura necessária para os animais crescerem e reproduzirem, as sementes germinarem e as mudas de árvores darem frutos.
O recurso investido pelo P1+2 é garantido por parcerias com o Governo Federal, instituições internacionais, empresas nacionais e fundações empresariais.


ASA incentiva trabalho da mulher na produção de alimentos

Uma das filosofias do trabalho da ASA é valorizar a atuação da mulher como produtora de alimentos. De acordo com a Organização para Alimentação e Agricultura das Nações Unidas (FAO), entre 60 e 80% da produção de alimentos nos países do hemisfério Sul recai sobre as mulheres.

Por isso, quando foi concebido o Programa Uma Terra e Duas Águas foram criados mecanismos para que os espaços produtivos sejam estabelecidos em áreas de domínio feminino, como o quintal de casa. As cisternas-calçadão são acompanhadas pelos quintais produtivos, onde se cultivam hortaliças, plantas medicinais, árvores frutíferas para dar sombra e frutos e criam-se animais soltos no terreiro.

“A ASA trabalha tanto na ampliação da lógica do armazenamento da água, como da produção do alimento e na preparação da refeição, atribuições socialmente construídas para as mulheres. Ao focar no espaço ao redor de casa para o cultivo de alimentos, o P1+2 empodera a mulher que cuida dele. O quintal produtivo é um dos lugares mais ricos de biodiversidade da agricultura familiar e as mulheres são suas guardiães”, ressalta Antônio Barbosa, coordenador do P1+2.

No ano passado, a FAO divulgou dados que atestam a importância da mulher na produção de alimentos em todo o mundo. As informações constam no relatório “O Estado da Alimentação e da Agricultura 2010-11 - Mulheres na Agricultura, Redução da Desigualdade de Gênero para o Desenvolvimento.” O relatório pressupõe que se houvesse uma distribuição mais equitativa dos bens, insumos e serviços agrícolas entre homens e mulheres, a produção de alimentos no mundo poderia crescer de 2,5% e 4%.

“Além disso, uma expansão da produção agrícola dessa magnitude poderia reduzir o total de pessoas subnutridas no mundo de 100 a 150 milhões de pessoas, dentro de um universo de quase um bilhão de pessoas”, destaca um artigo sobre o relatório escrito por Alan Bojanic, oficial a cargo da representação da FAO na América Latina e no Caribe, e Gustavo Anriquez, economista da FAO.

O artigo ressalta também que o empoderamento da mulher traz como consequência a melhoria de indicadores de bem-estar familiar, como alimentação e educação. “Isso não acontece somente por causa da receita adicional, mas porque — como tem sido demonstrado em muitos estudos de caso onde as mulheres controlam uma maior parte do orçamento familiar – a proporção dos gastos com alimentação, saúde e educação tende a aumentar significativamente”, destaca o documento.


Por: Verônica Pragana - Asacom
Recife - PE

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