Por Carla Rocha, Fábio Vasconcellos e Natanael Damasceno
Do O Globo
Veneno em doses diárias
A s lesões vermelhas no rosto, que vez ou outra se espalhavam para braços e pernas, não o fizeram parar de roçar a lavoura. Era seu ofício desde os 15 anos, de sol a sol. Por anos, conviveu com crises, mais ou menos intensas. Teve que amputar o dedo indicador direito, que encaroçou como uma espiga de milho. Para as lesões num braço, quase no osso, precisou fazer enxertos de pele. A audição, frágil, evoluiu para uma quase surdez. Vinte e cinco anos depois de os sintomas surgirem, mais de 40 dias de internação e biópsias, José de Andrade, de 77 anos, descobriu que podia ser mais uma vítima do uso indiscriminado de agrotóxicos. Era só ele e a enxada, sem capa ou máscara. Às vezes, até sem galochas.
- A gente macerava o veneno, que era em pó, com a mão, antes de misturar na água. Depois sentava para almoçar. Durante 30 anos usei os produtos sem proteção. Pegava sol, chuva, tudo. Aplicava contra o vento; saía todo molhado. Não sabia do risco - conta o agricultor, que estudou muito pouco e não entendia as instruções do rótulo dos produtos.
Um levantamento do Globo com base em dados do Datasus e do IBGE revela que o Rio tem altas taxas de mortalidade por câncer e suicídio - que pesquisas científicas sugerem ter associação com o uso de agrotóxicos - em três regiões agrícolas. O mapa de ocorrências desses dois problemas coincide com as manchas de produtividade de tomate, escolhido para a pesquisa por ser uma das principais culturas do estado e ter apresentado alto índice de resíduos tóxicos nas últimas análises.
O Centro-Sul aparece na frente em mortes causadas por neoplasias, com 133 casos por cem mil habitantes (22% acima da média, que é de 109); depois vem a Região Serrana, com 125 (14%); e o Noroeste Fluminense com 117 (7%). Um detalhe salta das estatísticas: no Centro-Sul, onde estão grandes produtores de tomate, como Paty do Alferes, os índices são acentuados entre adultos de 40 a 49 anos. Nessa região, os índices estão mais de 52% acima da média do estado.
O suicídio é mais frequente no campo. Enquanto a taxa na Região Metropolitana é de 1,58 caso por cem mil habitantes, no Noroeste Fluminense chega a 5,89 (51% acima da média, que é de 3,9), a mais alta. Na Região Serrana, são 5,25 casos por cem mil (34%); e no Centro-Sul, 5,50 (41%).
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