Mapa da Injustiça Ambiental e Saúde no Brasil é um painel do drama de populações atingidas, no próprio território, por projetos predatórios.
Abril de 2010, dia 21. José Maria Filho é assassinado com 19 tiros, ao voltar para casa, no sítio Tomé, em Limoeiro do Norte, interior do Ceará. Trabalhador rural e líder comunitário, ele vinha denunciando desapropriações de agricultores em função de grandes projetos de irrigação na região do Vale do Jaguaribe, bem como o uso de agrotóxicos e a pulverização aérea que, de dez anos para cá, contaminam a população, animais e a água de toda aquela área. O crime ainda não foi esclarecido, mas sabe-se que os documentos que comprovam essas denúncias foram levados pelos autores da emboscada.
Pesquisas do Departamento de Saúde Comunitária da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará mostram que, em 2002, o câncer matou 37 pessoas em Limoeiro, número que subiu para 56 em 2006 e para 188 em 2009. Os tumores mais comuns foram de fígado, estômago, pulmões, mama e próstata. A maioria das vítimas era de agricultores. Segundo a médica Raquel Rigotto, que há quatro anos estuda o impacto dos agrotóxicos na saúde dos trabalhadores rurais e dos consumidores de frutas no estado, as pulverizações sobre as lavouras de abacaxi, melão e banana próximas à casa dos agricultores – proibidas em março passado graças a denúncias como as de Zé Maria – fazem grande estrago à saúde. “Pesquisas científicas comprovam a relação entre câncer e agrotóxicos”, afirma.
Provável razão da crescente incidência de câncer em trabalhadores e moradores do Vale do Jaguaribe, a prática acontece em muitas outras regiões brasileiras, e é um dos 297 conflitos listados pelo Mapa da Injustiça Ambiental e Saúde no Brasil, que desde janeiro de 2010 pode ser acessado na internet (www.conflitoambiental.icict.fiocruz.br/index.php). Fruto de um projeto conjunto da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e da Fase, organização não governamental voltada à promoção dos direitos humanos e da economia solidária, a iniciativa tem apoio do Departamento de Saúde Ambiental e Saúde do Trabalhador do Ministério da Saúde. Seu principal objetivo é sistematizar situações relevantes do ponto de vista socioambiental e sanitário e torná-las públicas, dando voz às populações atingidas.
“Lamentavelmente, após a publicação do mapa, já ocorreram outros 88 conflitos, 60 estão em vias de pesquisa e validação e denúncias chegam diariamente pelo canal de contato do site”, diz Tania Pacheco, pesquisadora e coordenadora executiva do estudo. Dos 297 conflitos iniciais, 61% estão localizados na zona rural – 227 deles envolvendo disputa por terra e território –, 31% nas regiões urbanas e o restante em lugares onde ambos se misturam. Indígenas, agricultores familiares, quilombolas, pescadores e ribeirinhos estão entre os mais atingidos.
Um olhar sobre o mapa, segundo Tania, revela um Brasil devastado. No interior imperam a pecuária, a soja, a cana e os grandes empreendimentos consumidores de energia, que desmatam, queimam, inundam, contaminam e demandam a construção de mais hidrelétricas e termelétricas. O litoral, marcado pela carnicultura e por megaempreendimentos turísticos, tem seus manguezais destruídos, além de praias e do próprio mar privatizados. E, de norte a sul, vê-se o deserto verde pintado pela monocultura do eucalipto, viciada em pesticidas e agrotóxicos, nocivos à flora brasileira.
O estudo também desfaz o mito das invasões estrangeiras. Proprietários brasileiros são responsáveis por muitos empreendimentos que acabam com as florestas nativas, dizimam o ambiente e expulsam habitantes, partindo do Sul rumo ao Norte e Nordeste e arrasando o Centro-Oeste na passagem. “Entre eles, pessoas que se orgulham de ter entrado para a lista dos mais ricos do mundo, sem se envergonhar do custo que essa riqueza impõe ao nosso país e à grande maioria da população”, afirma Tania. “E os conflitos ambientais mapeados mostram que as mais atingidas são, sobretudo, as comunidades historicamente discriminadas por suas origens étnicas, como indígenas e quilombolas, entre outras.”
Segundo Tania, atuações do Judiciário, do Ministério Público e de Defensorias são causadoras de 4% dos problemas listados no mapa. É o caso de Palmeira dos Índios, em Alagoas, onde há confusão jurídica, terras, interesses econômicos e ligações obscuras dividindo o povo Xukuru de Ororubá. Indígenas são condenados à prisão e pistoleiros permanecem impunes ou vivendo em regime semiaberto. “A etnia é apoiada por diversas entidades indigenistas e de defesa dos direitos humanos, sindicatos locais e pelo Ministério Público Federal. Em contrapartida, a Defensoria Pública Estadual teria auxiliado alguns dos fazendeiros opositores da demarcação”, aponta.
Há pouco mais de um ano na internet, o retrato dos conflitos, que sofreu várias pressões, já tem o que comemorar. No final de janeiro, foi criado o Núcleo Maranhense do Mapa da Injustiça Ambiental e Saúde no Brasil, formado por entidades como o Grupo de Estudos sobre Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente da Universidade Federal do Maranhão, a Campanha Justiça nos Trilhos, a Sociedade Maranhense de Direitos Humanos, o Fórum Carajás e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Cabe ao núcleo abastecer o mapa, denunciando outros conflitos no estado e complementando os já documentados à medida que fatos novos ocorram. A ideia é que núcleos como esse sejam instituídos em todos os estados, possibilitando um aprofundamento no número de conflitos e nos relatos, sob a responsabilidade de entidades e pesquisadores locais.
Fonte: Site da Revistado Brasil
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