quarta-feira

“Combater” ou Conviver com a Seca?

Por José Lemos*
O primeiro passo para resolver um problema é conhecer-lhe a essência e as suas causas. Quando isso não acontece, ficamos circulando em seu entorno, buscando-lhe arremedos paliativos que, obviamente, não resolverão. A tendência é a sua perpetuação, agravando as suas implicações com o passar do tempo. A ocorrência de secas no Nordeste é um desses problemas para o qual nunca se buscou soluções definitivas. Não convinha, como não convém, que elas aconteçam. Quando não existir mais flagelados pelas secas, seca (o trocadilho é proposital) a fértil fonte de sobrevivência política de muita“gente boa”. E não são apenas aqueles velhos conhecidos“coronéis” do Nordeste. Eles continuam firmes, mas agora convivendo (quem haveria de convir!?) com muitos daqueles que no passado, nem tão remoto assim (coisa de pouco mais de dez anos), lhes ridicularizavam, adjetivando-os com expressões impublicáveis. A “safra” está se renovando e agora já não mais fazem questão de distinguir gregos de troianos. Se é que me faço entender.
Nestes dois anos os registros de pluviosidade no Nordeste semi-árido, incluindo ao menos quinze municípios maranhenses, sinalizam que estamos diante de uma das maiores, se não a maior seca dos últimos cinqüenta anos. A paisagem que se observa em boa parte deste sofrido pedaço de Brasil é de calamidade. Mortandade de animais por falta de alimentos e de água. As lavouras não produziram ano passado. Não produzirão neste ano.
Uma cena que não é novidade para quem conhece o Brasil. Ela se junta às calamidades das avalanches do Rio de Janeiro, que desabriga, ou desaloja, centenas de famílias e mata outro tanto de pessoas, por excesso de chuvas. Tragédias anunciadas em que governantes nos níveis federal, estadual e municipal, lá e cá, apenas buscam soluções paliativas. Nada de ir fundo nas causas, nem de buscar soluções definitivas. Li na imprensa que, por ocasião da avalanche no Rio de Janeiro, o Governador assistia nos EUA, descontraidamente com o filhote, a uma partida de basquetebol. Ninguém é de ferro! A Presidente, em plena crise no Rio de Janeiro, direto do Vaticano, atribuiu a culpa pelo desastre às populações que insistem em morar naquelas áreas de risco. Guerrilheira como exaltou o seu companheiro de partido, anti-capitalista (como dizia quando era conveniente nos tempos das vacas magras), atribuiu àqueles, que não tem alternativa de morar em lugar mais seguro e digno, a culpa por perecerem ou verem os seus parentes morrerem soterrados. Na cabeça dela, do Governador, dos Prefeitos, as pessoas estão ali porque querem. Estranho querer!
A Presidente veio ao Nordeste lançar o plano de “combate à seca”. Como a seca é um fenômeno meteorológico, que consiste na má distribuição espacial, temporal e quantitativa de chuvas, provocado por uma complexa sinergia que envolve movimentos de marés, deslocamentos de massas de ar frio e seco, dentre outros, fica difícil imaginar como algum terráqueo (mesmo com os poderes sobrenaturais que ela acredita ter) poderia “combater” semelhante combinação de fatores físicos e naturais. Com ela vieram o Ministro da Integração Nacional, governadores do Nordeste (não vi a Governadora do Maranhão, talvez porque por aqui não haja seca e tudo esteja correndo às mil maravilhas) e, pasmem o Presidente do Senado. Ele mesmo. O “grande criador de gado” das Alagoas, figura carimbada do coronelismo regional. Sentado à direita da deusa-mãe, a administradora intransigente com “mal-feitorias” que, segundo o que a imprensa divulga, costuma tratar com dedo em riste os seus subalternos-bajuladores (inclusos membros do Congresso). O Presidente do Senado, outrora desafeto, caprichava na pose concentrado no texto em que mais tarde faria afagos aos egos das empregadas domésticas, em cadeia nacional de televisão pago por nós que trabalhamos duro para sustentar as “bondades” dessa gente. Discurso de bom moço, que sempre se preocupou com causas nobres. Não poderia deixar dúvidas nas cabeças dos telespectadores de que a PEC das empregadas domésticas apenas passou porque ele esteve firme, defendendo-lhes os interesses contra patrões escravagistas (na linguagem dele) da classe média. Todos juntos em Fortaleza, numa comitiva cujo deslocamento e hospedagem devem ter custado bem mais do que o volume dos recursos anunciados. A presidente, ao lado de todos com a aparência séria e contrita, como convinha ao momento, anunciou como principal medida de “combate à seca” a utilização dos outrora execrados caminhões-pipas.
Não se falou em medidas estruturantes, ou em ações que resolvam, em definitivo, o problema. As Bibliotecas das Escolas de Agronomia do Nordeste e da EMBRAPA estão abarrotadas de trabalhos mostrando alternativas de produção agrícola com escassez pluviométrica. Podem-se ainda fomentar atividades não agrícolas geradoras de ocupação e renda em áreas com deficiência hídrica. Mas disso não se cogita. Melhor “combater a seca”, via carros-pipas. Prá quem“acabou com a pobreza extrema” transferindo ‘setentinha’ de renda, será moleza “eliminar a seca” via água de carro-pipa. Os Nordestinos, e Celso Furtado em seu leito tumular, podem ficar tranqüilos. Os ainda vivos não precisarão mais emigrar para os estados do Norte. O paraíso agora é aqui!
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*Professor Associado na Universidade Federal do Ceará. Escreve aos sábados para jornal O Imparcial

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