segunda-feira

No final de semana passado aconteceu a 5ª Semana Social Brasileira em Mossoró/RN.

Por Higo Lima
Para a Revista Domingo

A Diocese de Santa Luzia realizou nessa semana a quinta Semana Social Brasileira, uma tentativa da Igreja Católica de se aproximar de temáticas sociais. Para este ano, o foco das discussões foi o papel do Estado na vida dos brasileiros, tema que, por sinal, foi discutido em dois dias de evento com palestra do professor César Sanson, pesquisador da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), e por João Paulo de Medeiros, professor da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN) e membro do Movimento Mire. Esta edição da Revista Domingo traz uma entrevista com este último palestrante, que complementa suas explicações sobre a função do Estado e aponta ainda as lacunas do Estado brasileiro na nossa região. “Há quem acredite que começamos a viver uma ‘primavera na igreja’”, diz João Paulo sobre a escolha do novo papa Francisco, um argentino que, pelo fato de ser latino-americano, despertou esperanças de reaproximação da Igreja com vertentes mais progressistas do catolicismo, que tem deixado sua marca no Estado, seja de forma construtiva ou não. Em relação aos Direitos Humanos, João Paulo é incisivo ao afirmar que o Estado é o primeiro a falhar na promoção dos mesmos – por omissão ou ação.
DOMINGO – Para começar, a proposta da Semana passa pelo questionamento em torno do Estado, então, qual é o Estado que temos?
JOÃO PAULO – O modelo atual de Estado teve sua origem entre os séculos XVII e XVIII, com a justificativa de promover a pacificação social. Porém, a verdadeira motivação não foi essa. A burguesia, classe de comerciantes bem-sucedidos da época, precisava de uma moeda única e de um governo centralizado para que suas mercadorias pudessem circular melhor, essa é a real justificativa de nascimento de nosso Estado. Ou seja, ele nasceu com duas características bem fortes: centralizado na mão de uma classe (a burguesia) e com o objetivo de gerar lucros. Esse modelo perdura até os dias atuais e serve de norte para todas as suas ações, sendo a explicação de seu fracasso.

ELE é o ideal? O que falta para ser o ideal e qual é o Estado que, na sua opinião, precisamos?
DEPENDE. Pra classe dominante ele é o ideal. Ora, o Estado é representação dos anseios da classe hegemônica. Se temos um Estado baseado em princípios capitalistas e sob o comando de um minoria rica (que detém a maior representação no congresso; propriedade dos meios de produção e dos mecanismos de comunicação) pra ela esse Estado é muito confortável. Porém, pra maioria pobre da população, ele é um desastre, já que o fim último é a geração de lucros e não o bem-estar do povo. Tomemos, por exemplo, as milhares de pessoas que não têm acesso aos bens básicos como saúde, moradia e educação, enquanto os lucros dos bancos e grandes empresas aumentam a cada ano. Não há uma fórmula pro Estado ideal, porém podemos identificar alguns elementos fundamentais como: maior participação popular, igualdade de gênero, respeito ao meio ambiente, promoção dos direitos humanos e, acima de tudo, mudança radical da lógica de sociedade, abandonando-se a corrida cega pelo lucro e assumindo uma postura de justiça social e fraternidade.
 
APROXIMANDO a discussão em torno da função do Estado para a nossa região (Estado e Município), o Estado brasileiro se tem feito presente? Onde estão as lacunas do Estado por aqui?
A SIMETRIA aqui é bem clara. O Estado peca na promoção dos direitos fundamentais como a saúde, segurança, educação e acesso à terra, já que esta não seria a sua principal preocupação.
 
A PROGRAMAÇÃO da Semana tem uma co-participação da Diocese de Santa Luzia. Lincando a discussão com a religião, o senhor acredita que o novo papa Francisco irá aproximar a Igreja Católica das questões Políticas?
PRIMEIRO é importante parabenizar a iniciativa da diocese em promover a semana social, ao debater temas relacionados à política ela vem resgatar um compromisso histórico da Igreja da América Latina por meio da sua opção preferencial pelos pobres. Em relação ao papa Francisco, ele tem nos trazido grande esperança. Seus primeiros discursos foram recheados de temas relativos ao cotidiano do povo, como economia, política e pobreza. Há quem acredite que começamos a viver uma “primavera na igreja”, onde essa deixaria de olhar para o próprio umbigo e se abriria para o mundo. A reação da parte mais conservadora do clero também está servindo de termômetro, a exemplo do que aconteceu na cerimônia do lava-pés, quando a ala conservadora do clero se sentiu muito incomodada quando o papa lavou os pés de duas mulheres na cerimônia.
 
...E de vertentes como a Teologia da Libertação?
O FATO do papa Francisco ser da América Latina já é um diferencial. É nítida a diferença do pensamento religioso do nosso grande continente em relação ao pensamento europeu. Leonardo Boff, um dos precursores da TL (Teologia da Libertação), tem se mostrado bastante empolgado com as atitudes do novo papa. Já a teóloga feminista Ivone Gebara se mostra reticente. Particularmente tenho esperanças, mas ainda é cedo pra fazermos qualquer prognóstico. A Teologia da Libertação tem muito a contribuir para que a Igreja Católica seja renovada e se aproxime, de fato, dos reais princípios cristãos. De qualquer forma, o papado de Francisco apenas terá um diferencial se tocar em temas estruturais como diminuição da hierarquia eclesial, a ordenação de mulheres, o reconhecimento da união homoafetiva e o celibato opcional.
 
EM UM país fortemente cristão, como as Igrejas têm contribuído para a consolidação desse Estado? Elas têm contribuído?
A ESPIRITUALIDADE é uma dimensão inerente ao ser humano e ela pode ser manifestada de várias formas, seja por meio da adoração a um ser superior, pelo culto à natureza ou até pelo equilíbrio dos “eus” como nas religiões orientais. Dentro do próprio cristianismo, por exemplo, há uma pluralidade enorme. Enquanto parte da Igreja Católica apoiou o golpe militar, como os membros da TFP (Tradição Família e Propriedade), outra parte foi fundamental na derrubada do regime e redemocratização, chegando, inclusive, a defender a luta armada. Como diria Karl Marx, a religião é ópio do povo quando atrelada às classes dominantes, mas também pode servir de libertação quando comprometida com os oprimidos. Aqui no Brasil, as vertentes religiosas, a depender de sua perspectiva de espiritualidade, andam nessa linha tênue, hora fortalecendo a dinâmica da opressão, hora desempenhando um papel libertador.
 
HÁ 10 anos temos um governo de fundamentação esquerdista, ligado aos movimentos sociais. Qual o papel desses movimentos de base para a consolidação do Estado democrático?
EU não considero que o Brasil seja um país democrático. A palavra democracia quer dizer “governo do povo”. Como então conceber que o povo, que na democracia é o governante, mantenha na miséria milhões dos seus? Pois bem, uma verdadeira democracia passa pela descentralização política e tem como motor a sociedade civil organizada em sua pluralidade, como em sindicatos, cooperativas, ONGs e movimentos sociais. São esses movimentos que de forma legítima canalizam os anseios e gritos da população.
EM RELAÇÃO aos Direitos Humanos, o Brasil, tardiamente, implantou a sua Comissão da Verdade para averiguar os crimes do período ditatorial. Bem mais recente, uma celeuma se espalhou no país depois que um pastor-conservador assumiu a presidência da Comissão dos DH e Minorias da Câmara. Qual a sua avaliação da relação entre o Estado brasileiro e os Direitos Humanos?
ASSIM voltamos para início de nossa conversa. Para entender a relação do Estado com os direitos humanos, é necessário antes compreender o modelo de Estado que temos. O estado é hoje o principal violador dos direitos humanos, seja por ação ou omissão. É fato que nos últimos anos tivemos sensíveis avanços, mas uma promoção completa dos direitos humanos depende necessariamente do modelo de Estado. Enquanto vivermos em uma sociedade baseada no lucro e competição haverá sérias violações aos direitos humanos.
 
COMO o cidadão, na sua individualidade, pode participar desse processo de democratização do Estado Brasileiro?
O PRIMEIRO passo é perceber que a participação popular não se resume a um voto a cada dois anos. A verdadeira democracia exige a participação cotidiana da população, seja nos pontos mais básicos, como o preço do pão, ou o saneamento de uma rua, como em fatores mais estruturais como reforma agrária e saúde gratuita e de qualidade. A organização popular por meio de sindicatos, cooperativas, Ongs e movimentos sociais desempenha esse papel da democracia direta, ao exigir do Estado as medidas necessárias à efetivação dos direitos mais básicos da população.
 
HÁ UMA pressão em torno dos Congressos para a Reforma Política, levando em consideração essa pluralidade de partidos, eles representam a pluralidade de pensamento? O Estado brasileiro está precisando dessa reforma? Em quais aspectos?
A MULTIPLICIDADE partidária em nosso país é totalmente desfigurada. Salvo três ou quatro partidos, a maioria não consegue exprimir uma ideologia e/ou projeto de sociedade, apesar da representação partidária ser fundamental em uma democracia. Nesse contexto, a reforma política é algo urgente. Estamos no século XXI com a cabeça em 1800. Mudanças como a facilitação da participação popular na proposição de projetos de lei e emendas constitucionais e o financiamento público de campanha são urgentes e fundamentais se queremos pensar em uma nação séria e justa.

Fonte: Jornal De Fato.

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