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De acordo com informações do Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para a Defesa Agrícola (Sindage), mais de um bilhão de litros de agrotóxicos foram jogados nas lavouras brasileiras na última safra. Dependendo do volume de vendas estimado em 2010 pela Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim), esse recorde pode ser superado. A entidade estima um crescimento de até 8%, em relação ao período anterior.
O Brasil está em primeiro lugar no ranking dos países que mais usam agrotóxicos no mundo. Para se ter uma ideia da dimensão, é como se cada brasileiro consumisse, ao longo do ano, cinco litros de veneno. A sociedade não tem conhecimento dos estudos que mostram as consequências do uso intensivo dos agrotóxicos no solo, na água, no ar e nos alimentos que consumimos e até mesmo das graves consequências na saúde da população.
O uso excessivo está relacionado à atual política agrícola do país, que foi adotada a partir da década de 1960, com a chamada Revolução Verde, que representou uma mudança tecnológica e química no modo de produção agrícola. Com isso, o campo passaria por uma modernização, com o aumento da produção de alimentos, com a mecanização do campo e o uso dos pacotes agroquímicos [adubos e venenos].
No entanto, esta transformação, na agricultura, padronizou a produção de alimentos, fortaleceu os latifúndios, concentrou as propriedades agrícolas – com a substituição da agricultura em que a produção de alimentos estava relacionada às necessidades locais –, incentivou as práticas dos monocultivos, uso de sementes hibridas e transgênicas. Estes elementos alimentam o agronegócio, como explica o integrante do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), Frei Sérgio Görgen.
“O agronegócio faz uma mecanização de grande porte, cujo impacto ambiental é muito grande, principalmente com o aumento da produtividade do trabalho das máquinas, que expulsam as pessoas dos seus postos de trabalho. Isto faz com que áreas enormes sejam devastadas por essas máquinas, que permitem cultivar grandes extensões de terra com monocultivos muito intensivos. Com isso o grande capital industrial, com usos de máquinas, implementos, venenos e fertilizantes, atrelado com o capital financeiro, que fornece o dinheiro, formam uma unidade com o latifúndio que prejudica o campo.”
Segundo a Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim), na última safra foram vendidos mais de 7 bilhões de dólares em defensivos agrícolas. O mercado de agrotóxicos se concentra nas mãos de seis grandes empresas transnacionais, que controlam mais de 80% do mercado dos venenos. São elas: Monsanto; Syngenta; Bayer; Dupont; DowAgrosciens e Basf.
O modelo do agronegócio provoca também a concentração do mercado de insumos. As empresas que fabricam os venenos são as mesmas que produzem as sementes resistentes a eles. Com isto, quando o produtor adquire a semente, obrigatoriamente terá que comprar o agrotóxico correspondente. Esse investimento coloca nas mãos das empresas transnacionais o controle das sementes, que são “viciadas” em insumos, como explica o pesquisador da Fiocruz, médico e professor da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), Wanderlei Antonio Pignati.
“As sementes das grandes indústrias são dependentes de agrotóxicos e fertilizantes químicos. As indústrias não fazem estudos para sementes livres destes produtos. Não criam sementes resistentes a várias pragas, sem a necessidade de agrotóxicos. Não fazem isto, porque são produtores de sementes e agrotóxicos. Criam sementes dependentes de agrotóxicos. E, com os transgênicos, a situação piora.”
Para o engenheiro agrônomo Horácio Martins, estas empresas criaram uma perigosa dependência, por meio do controle da forma como os produtos serão comercializados.
“Desde a semente até a colheita, a lavoura é dependente dos fertilizantes, agrotóxicos, hormônios e herbicidas que as sementes trazem como exigência para fecundarem. Estamos vivendo um momento dominado pelos “Impérios Setoriais.” São poucas as empresas, no mundo inteiro, que controlam o mercado dos agrotóxicos e fertilizantes. Com este controle, essas empresas dominam o “governo” do mundo, elas criam a necessidade das pessoas consumirem os produtos que eles produzem, oferecem o produto e definem a forma como ele será comercializado.”
Os governos fizeram uma opção pelo agronegócio que não permite a realização de um debate sobre as implicações do uso excessivo de agrotóxicos na saúde humana, no meio ambiente e que causam um sério risco sócio ambiental.
Por exemplo, no estado do Ceará, os agrotóxicos são isentos da cobrança de impostos como o ICMS, cobrança de IPI, de PIS/Pasep e de Cofins. Como há isenção de impostos, os custos sociais, ambientais e sanitários são pagos pela sociedade. Quem sofre com isso, segundo a professora da Universidade Federal do Ceará, Raquel Rigotto, é o agricultor, que trabalha diretamente com o veneno; e o consumidor, que se alimenta de produtos envenenados.
“Os trabalhadores do campo são os que mais estão expostos por mais tempo em suas jornadas de trabalho de até dez horas. Sem dúvida o agricultor é o segmento social mais atingido. O consumidor é atingido quando ingerir um alimento que, mesmo com pequenas concentrações, são produtos altamente tóxicos. Existem alimentos com até quinze tipos de substâncias. Os consumidores estão expostos ao que chamamos de efeitos crônicos, ou seja, irão sentir o efeito com o passar dos anos. O pior é que as perspectivas de reversão são bem pequenas. Há uma dessimetria de poder entre quem é atingido e quem gera o problema muito grande. Há uma produção de ocultamento, para que o problema não seja percebido por mais e mais pessoas. O tempo inteiro estão produzindo a invisibilidade dos problemas, das pessoas atingidas, dos impactos e até mesmo das soluções. É uma luta desigual e o prognóstico é sombrio.”
Para Frei Sérgio, a sociedade brasileira está passando por um processo de desinformação e uma alienação alimentar. Para ele, as mudanças só serão possíveis se houver uma consciência alimentar da população, que deve ser mais crítica com a questão da produção de alimentos no Brasil. Ele ainda afirma que é possível, apesar das dificuldades, fazer uma transição do atual sistema de produção para um modelo baseado na agroecologia e na agricultura camponesa.
“Não é uma coisa tão fácil, porque além de termos uma dependência tecnológica, temos uma dependência química das plantas e do solo para isso. Existem regiões em que há quatro gerações vêm-se usando estas tecnologias; por isso muitos agricultores nem sabem como era feito antigamente. Não é algo fácil de fazer, mas a transição é possível porque existe conhecimento técnico para isso, para que se produza sem veneno, ou com pouca quantidade dele. O exemplo é a agricultura camponesa e a agroecologia com suas histórias. Mas a transição, onde já está enraizado, vai ser lenta, sacrificada, pois significa recuperar a capacidade e a fertilidade natural do solo e a biodiversidade local para haver equilíbrio biológico na região.”
Nesse quadro, há uma disputa entre dois modelos agrícolas: o agronegócio e a pequena agricultura. Diante dos efeitos causados pela utilização dos agrotóxicos, é necessário que os produtores, juntamente com os consumidores, discutam qual o melhor modelo de produção agrícola para o país.
Reportagem de Danilo Augusto, da série especial “Os perigos dos agrotóxicos no Brasil”, produzido pela Radioagência NP.
Fonte: Portal do EcoDebate
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